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MEDO DE ALTURA


Muitos anos atrás, andei de barco em um passeio da escola. Cinquenta crianças num barco enorme e, quando ele parou, podíamos pular direto no mar.


Sempre tive medo de altura e de muitas outras coisas. Ver meus colegas pulando me encheu de vontade de pular também, mas, no segundo em que me encontrei em pé na amurada da embarcação, tomei a imediata decisão de desistir e descer pela escadinha lateral, reservada aos covardes e às pessoas mais sem graça.


Ao longo da vida, sinto que perdi muitas oportunidades por simples medo. Medo de altura, medo do julgamento alheio, medo do riso, medo da dor, medo de quebrar a cara. Mesmo entre alguns de meus melhores amigos, sempre assustei-me com as mais diversas possibilidades e preocupei-me com hipotéticos que nunca aconteceram. Ao longo da vida, desenvolvi o costume de descer sempre pela escadinha lateral. Sempre optar pelo mais seguro, mais simples, mais fácil.


Por vezes, sinto-me presa no tempo. Sinto que subi na amurada da embarcação e ali fiquei — paralisada, com 14 anos de idade, tomando a decisão de não pular de novo, e de novo, e de novo.


A verdade é que a gente cresce e muda e não repara. Nos últimos anos, tomei mais decisões aterrorizantes do que descidas tranquilas. Não que tenha superado qualquer medo — pelo contrário, sigo medrosa, sigo preocupada e sigo assustada, mas alguns desafios se tornaram menores e alguns muros parecem mais baixos. Não sei dizer o que mudou. Não tive nenhuma revolução de pensamento, grandes acontecimentos marcantes. Talvez seja essa a graça de viver: crescer sem motivo, razão ou escolha. Algo parecido com liberdade das amarras internas, algo como evolução.


Ainda tenho acesso àquela escadinha lateral. Ainda me reservo o direito ao medo e, quando necessário, escolho o caminho mais seguro. Não há vergonha em reconhecer certos limites, mas tenho orgulho em dizer que não permaneço no mesmo lugar.


Andei de barco no último feriado. Algumas amigas num barco pequeno e, quando ele parou, podíamos pular direto no mar.


Sempre tive medo de altura e de muitas outras coisas. Ver as outras pulando me encheu de vontade de pular também e, no segundo seguinte àquele em que me encontrei em pé na amurada da pequena embarcação, meus pés tocaram a água.


Autoria: Anna Cecília Serrano

Revisão: Enrico Recco e André Rhinow

Imagem de capa: "Sailing Boats" por Daniel Sherrin

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