MESTRES, DOUTORES E AQUELE QUE OS ENXERGA
- Enrico Romariz Recco
- 4 de ago.
- 4 min de leitura

(Música para a leitura:
“Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo)
[feat. Zeca Pagodinho & Tokyo Ska Paradise Orchestra]” – Emicida)
Curioso que é a segunda vez que uma viagem a Brasília me serve de inspiração. Os prédios e construções de Niemeyer e Lúcio Costa transformam a paisagem do planalto central do país, e acho que da minha cabeça também. Mais uma vez, fiquei durante uma semana aqui participando de uma simulação da Câmara dos Deputados. Uma ótima atividade para pensarmos um pouco mais sobre o futuro da política e que exemplo queremos passar como universitários de grandes possíveis vocações (e também para meter o louco com vários projetos de lei nada a ver só pela resenha).
Como temos que ficar o dia inteiro na Câmara, debatendo, articulando e correndo de lá para cá para não deixar cair o quórum de uma reunião, a gente acaba almoçando no restaurante da lá. Um “por quilo” de respeito em que, logo na entrada, um rapaz lhe entrega a comanda que você vai usar para pagar a sua refeição no final. Mas ele não é só um entregador de comandas. Poucos sabem disso, mas ele também é o detentor de uma grande verdade universal, um segredo que somente alguns têm a capacidade de compreender sua real profundidade e significado, algo que tentarei explicar neste humilde texto. Uma verdade que quase nenhum de nós somos capazes de desvendar por conta própria: você é mestre ou doutor?
Os menos versados na arte da leitura de caráter podem imaginar que eu estou me referindo ao conceito simplório de um diploma acadêmico e, enquanto não quero menosprezar a capacidade daqueles que o obtém (inclusive gostaria de uns também, bancas por favor não me odeiem <3), quero trazer a atenção para um conceito muito mais importante para a construção de sua imagem pessoal e para a dos outros. Mas afinal, como saber? O que é que eu estou querendo dizer? A resposta é simples: quando você se aproxima do rapaz para pegar a sua comanda, ele vai te responder com: “Boa tarde, mestre!” ou “Boa tarde, doutor!” A metodologia empregada para que ele tome sua decisão de qual frase usar é desconhecida para um mero mortal, mas tenho convicção de que ele realiza diversos cálculos internos para averiguar qual seria a denominação correta. Não somos capazes de prever o que ele irá responder, até porque a resposta pode variar de dia a dia.
Seriam talvez pelas roupas? Mesmo com roupas semelhantes, ele lhe traz diferentes respostas. Seria talvez a idade? Mas tão pouco importa seus cabelos brancos (ou a falta deles). Seria que estamos analisando isso até demais? Impossível, deve haver uma explicação. A verdade é que nunca iremos compreender totalmente o que ele quer dizer. No final, pode não ser nada disso, mas eu gosto de imaginar que tudo depende de nós mesmos.
Somos testados todos os dias. Parece que vivemos em um jogo em que temos que avançar de fases, derrotar chefões e salvar princesas e, constantemente também, verificamos que mesmo passando por isso, sempre tem mais, e descobrimos também que, às vezes, a nossa princesa está em outro castelo. Mas isso é tudo muito natural, como uma vez me disseram, as pessoas são como tapetes que precisam ser sacudidos de vez em quando por novos desafios. O x da questão é como sobreviver nisso tudo, quando o mundo parece tão avassalador. Mas eu acho que tenho uma dica, uma que rivaliza até as grandes filosofias.
O ser humano é um ser sociável. Eu profundamente acho que o paraíso são os outros (Valter Hugo Mãe me nota, por favor!). Tantas vezes que estamos cabisbaixos, e que somente na companhia certa, é que somos capazes de nos reerguermos. E o aspecto mais crucial disso tudo está nos detalhes. Eles são mesmo janelas para nossa alma, pequenos gestos, expressões, modos de ser e viver que entregam nossas angústias e alegrias sem nem pedir licença. E então podemos ser mestres (ou doutores).
Sempre imaginei que somos péssimos autoavaliadores, nem sempre conseguimos entender as nossas próprias nuances. Mas quando o outro entra na nossa loucura, tudo fica um pouco mais fácil de desvendar, e é daí que ele entra. Acho que tanto faz se você é mestre ou doutor, o importante é o que você entende quanto a isso. Às vezes, estamos naqueles dias em que precisamos ser doutores: porque estamos mal; porque nos vestimos para uma ocasião especial; porque hoje, simplesmente, estamos nos sentindo doutores. O mesmo se aplica para mestre! E essa é a magia da coisa. Sempre acreditei que as palavras carregam um imenso poder com elas, mas elas são especialmente poderosas quando carregam um sentido maior. Podemos não ser íntimos do rapaz todo-conhecedor que entrega a comanda, mas quando alguém como ele percebe os detalhes, isso faz toda a diferença para nós. Parece até que, por um breve instante, somos grandes amigos.
Ou também eu estou só viajando, tentando achar coisa onde não tem. Vai ver que nada disso tem sentido, mas sinceramente, também não importaria, porque, para mim, tem sim.
Um beijo à parte do meu núcleo duríssimo que está em Brasília. Amo vocês e estou com saudades!
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Autoria: Enrico Romariz Recco
Revisão: Ana Carolina Clauss
Imagem da capa: The Young Scholar and his Tutor – Rembrandt Harmenszoon van Rijn (https://www.getty.edu/art/collection/object/103RG9?canvas=6e3eb6ea-8ab3-49e5-85a8-6cf433aa154f#full-artwork-details)