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NA PONTA DO BATOM



Já faz uns dois anos que passo batom todos os dias, nem que seja só uma manteiga de cacau para hidratar os lábios. Nesse ponto, acho que já virou quase que um ritual, mesmo que tal evento não aconteça da mesma maneira todos os dias. O ideal é passar o batom enquanto me olho no espelho do banheiro, já que a iluminação tende a ser melhor, mas, nos dias mais corridos, uso o espelho do elevador, o reflexo de janela e até o retrovisor de carro – o importante é ter os pequenos pigmentos industrializados sobre os lábios!


Entretanto, tem algo que faço religiosamente em toda aplicação – e reaplicação – dos batons. Eu olho o formato que lentamente se forma na ponta do bastão. Uma ação pequena e imperceptível para qualquer espectador de uma cena tão cotidiana, mas que, para mim, representa muito. Durante esses milissegundos nos quais meus olhos viajam até a ponta do objeto e capturam sua imagem, sou instantaneamente transportada para um local específico. Nova York, 1992.


Foi nesse ano que Stacy Greene, uma artista americana, começou a trabalhar em um projeto que ficaria então conhecido como “Lipstick”, uma série de fotografias coloridas em formato 20x24 de – nada mais nada menos que – batons usados que são distinguidos não por cor ou marca, mas sim pela técnica de aplicação das usuárias.


Adoro essas fotos. Já passei horas olhando para elas e vira e mexe abro-as para poder analisar de novo. Segundo a própria artista, a intenção do projeto era mostrar que esse produto industrializado e banal do dia a dia carrega consigo uma história, uma espécie de escultura personalizada que foi se formando diariamente por esse esquisito ritual privado.


Acho o conceito legal, não posso negar. Mas pra mim o mais interessante mesmo é imaginar a história por trás das mulheres que tiveram seus nomes atribuídos a cada uma das obras. É engraçado perceber que não sabemos nada sobre elas além do formato preciso de seus batons. Nada mesmo.


Para mim, Carolina e Jean eram mulheres apressadas e talvez até pouco perfeccionistas. Aplicavam seus batons com uma passada e davam o ritual como feito. Enquanto isso, os batons com pontas mais retas, como a da Phyliss, que apresentam formatos que claramente foram atingidos após aplicações feitas com o auxílio minucioso de um pincel, mostram o contrário.


Fiquei com um pouco de dó da Gwen, pois nós pessoas que usamos batons diariamente sabemos a dor que sentimos quando o nosso item favorito cai e se estilhaça no chão – se bem que, em uma entrevista, a artista confirmou que a Gwen acabou colocando o batom dentro da máquina de lavar, por isso seu estado deplorável. Mas, apesar do aspecto um pouco desconfortável de olhar, não podemos culpá-la por tentar salvar seu querido item de beleza pessoal.


Pessoalmente, meus batons ficam mais parecidos com o da Nancy ou o da Brenda, mostrando talvez as minhas tentativas – muitas vezes falhas – de deixar o famoso arco do cupido em seu perfeito formato. Entretanto, também me simpatizo com a Magdelyn, pois como também gosto de usar batons escuros, quando passo um mais claro por cima ele também fica com um aspecto todo manchado - uma lástima! Já a Ellen permanece uma incógnita… Garota, o que você tá fazendo?? Enquanto isso, a Amy representa um exemplo a ser seguido: usando seu batom até a última gota! Só fico me perguntando se era por motivos econômicos ou se era porque ela não conseguiria um novo pois o batom havia saído de linha…


No final, nunca terei uma confirmação para tais hipóteses. Talvez imaginar que os batons usados funcionem como uma espécie de extensão física do subconsciente de seus ordinários escultores seja, da minha parte, até um pouco exagerado demais. Mas o que seria da vida sem um pouco, ou talvez muita, imaginação, não é mesmo?



Nota da Autora:

Para dar uma olhada em todas as fotos do projeto, acesse o site da própria artista. E, caso você queria estragar toda essa minha brincadeira pessoal de ficar imaginando as histórias por trás dos batons, acesse essa entrevista concedida pela Stacy na qual ela conta um pouquinho sobre as histórias das mulheres que inspiraram as obras.



Autoria: Victorya Pimentel

Revisão: Laura Freitas e Enrico Recco

Imagem de capa: Stacy Greene



 

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