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NEPAL: A REVOLTA DA GERAÇÃO Z


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Conhecido por suas paisagens deslumbrantes, pela tradição budista e por ser a casa do famoso Monte Everest, o Nepal chamou a atenção dos noticiários globais por um motivo diferente durante o mês de Setembro. O pequeno país nos Himalaias tornou-se palco de violentos protestos que culminaram em mortes e na queda do seu primeiro-ministro. Essa revolta não é um movimento isolado. Outros países, como as Filipinas, o Quênia e a Tailândia, passaram por situações parecidas ainda este ano. Na vanguarda de todas essas revoltas existe um elemento em comum: a geração Z, cada dia mais descrente e insatisfeita.


No Nepal, as revoltas começaram após o primeiro-ministro banir quase todas as redes sociais do país, numa tentativa de silenciar críticas, no dia 4 de setembro. Para a população, e principalmente para os jovens, a medida foi um gatilho. Rapidamente, milhares foram às ruas protestar, não apenas contra a decisão, mas contra as condições de vida no país e a corrupção sistêmica. Os protestos, que começaram pacíficos, logo se acaloraram. No dia 8 de setembro, estudantes universitários e secundaristas, muitos deles ainda com seus uniformes escolares, se reuniram no centro de Katmandu, em frente ao parlamento. Após uma tentativa de invasão ao prédio por parte de alguns manifestantes, a polícia abriu fogo contra a multidão, matando 19 pessoas e ferindo outras 300.


No dia seguinte, mesmo com a imposição de um toque de recolher, os jovens voltaram às ruas, dessa vez de forma violenta. A polícia não foi capaz de conter a população enfurecida, que incendiou os prédios do Parlamento e da Suprema Corte, além de delegacias, residências de políticos e até prisões. O ministro das Finanças foi linchado em via pública, e a esposa de um ex-primeiro-ministro morreu após manifestantes atearem fogo à sua casa. Diante do caos, o primeiro-ministro renunciou ao cargo. O presidente, que tem um papel quase apenas cerimonial no Nepal, acionou o Exército, que ocupou as ruas da capital e conseguiu conter a onda de violência nos dias seguintes.


Não se sabe ao certo o que acontecerá no Nepal. Ironicamente, a rede social Discord, uma das que haviam sido banidas, se tornou o principal palco de articulação política. Nos últimos dias, mais de 145 mil nepaleses se cadastraram no aplicativo, e seus servidores passaram a funcionar, na prática, como uma espécie de parlamento alternativo. A maioria dos manifestantes declarou apoio a Sushila Karki, primeira mulher a ocupar o cargo de ministra da Suprema Corte no país. Após diálogos entre líderes do movimento e o Exército, ela foi oficializada como primeira-ministra interina.


O que aconteceu no Nepal pode parecer extremo, mas não é um caso isolado. Em diferentes partes do mundo, jovens da geração Z vêm protagonizando movimentos políticos “antissistema”. Países como Filipinas, Quênia e Tailândia também testemunharam protestos liderados por jovens ainda este ano. Todos com motivações diferentes, mas com algo em comum: uma juventude que não se vê representada, que desconfia das instituições e que, diante da ausência de respostas, decide agir por conta própria.


Um dos aspectos que ajuda a compreender o comportamento dessa nova geração é o atual contexto econômico. Os zoomers, como são chamados, enfrentam, em quase todo o globo, um ambiente de grandes dificuldades à medida que se inserem no mercado de trabalho e buscam sua independência financeira. Segundo dados da Deloitte, mais de 70% da geração Z relata ter dificuldades para pagar despesas básicas do dia a dia, como alimentação, transporte e aluguel. Nota-se também, entre essa geração, uma dificuldade maior para sair da casa dos pais e adquirir uma casa própria. Comparado a gerações mais velhas, a situação piora. Nos Estados Unidos, hoje, entre as pessoas com 27 anos, apenas 33% possuem casa própria. Na mesma idade, entre os boomers (nascidos entre 1946 e 1964), esse número era de 40%. Essa realidade se reflete na forma como essa geração enxerga os próximos anos: com menos perspectivas e maior tolerância a discursos radicais que prometem romper com o sistema que os prejudica.


Alia-se a esse contexto a baixa representatividade política. Os zoomers se enxergam como sub-representados na política atual, o que é natural, já que os cargos de poder continuam, em sua maioria, ocupados por gerações mais velhas. Uma das consequências desse sentimento é a baixa confiança dessa geração nas instituições. De acordo com a Fundação Gallup-Walton, 53% da geração Z nos Estados Unidos diz confiar muito pouco no Congresso. 51% diz o mesmo sobre o presidente e 44% sobre a Suprema Corte. Já outra pesquisa, realizada na Europa pela Friedrich Naumann Foundation, revelou que apenas 62% dos jovens europeus estão convencidos de que a democracia é a melhor forma de governo.


Outro fator que contribui para a radicalização é a internet. A geração Z é a primeira nativa digital. Cresceu com acesso constante a computadores, redes sociais e smartphones. Isso faz com que esses jovens estejam profundamente conectados ao mundo digital, onde se discute muita política, mas, quase sempre, dentro de bolhas. Os algoritmos de plataformas, como Facebook e Twitter tendem a aproximar usuários que pensam igual e afastar opiniões diferentes. Isso aprofunda a polarização, favorecendo conteúdos mais extremos ou emocionais, o que alimenta a frustração, a desconfiança e o radicalismo.


O que se viu no Nepal, portanto, é o reflexo de uma geração que se sente a perdedora da economia mundial, escanteada e perdedora das atuais conjunturas políticas e que não encontra na política tradicional respostas satisfatórias para os seus problemas e anseios. Resta a esses jovens a revolta e a internet se apresenta como o ambiente perfeito para fomentá-la.



Autoria: Bernardo Albernaz

Revisão: Ana Carolina Clauss

Imagem de capa: Sunil Pradham/Anadolu via Getty Images



Referências utilizadas


Britannica. Nepal. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Nepal

. Acesso em: 12 set. 2025.


Gallup & Walton Family Foundation. Gen Z Voices Lackluster Trust in Major U.S. Institutions. 2023.


Cinelli, Matteo; De Francisci Morales, Gianmarco; Galeazzi, Alessandro; Quattrociocchi, Walter; Starnini, Michele. “The Echo Chamber Effect on Social Media.” Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 118, no. 9, 2021.


Deloitte. Global Gen Z Survey 2023: Financial Challenges and Perspectives. 2023.


CNBC. Gen Z homeownership rates lag behind older generations, new data shows. 2024.










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