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OS QUATRO PORTAIS PARA PAULÍNIA

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Durante a Ditadura Militar na década de 60, Paulínia foi escolhida pela Petrobras e o Governo Federal para abrigar a Refinaria de Paulínia, a Replan. Foi dada a construção da maior refinaria de petróleo do Brasil e que, até hoje, ainda é a com maior capacidade de processamento — chegando a 69 mil m³ por dia, ou 434 mil barris. É um dos pontos mais estratégicos da indústria nacional, estando geograficamente num ponto de meio termo entre os consumidores no interior do Brasil e da metrópole paulista, conferindo também alta capacidade logística para o escoamento de toda essa imensa produção de produtos derivados do petróleo.


Paulínia é uma cidade relativamente nova, tendo somente se emancipado de Campinas em 1964 através da publicação da Lei nº 8092, que dispõe sobre a criação do município. Ou seja, é uma cidade que mal existiu sem a presença da Replan, desde a sua construção em 1969 até o início das operações em 1972. Pessoalmente, nunca visitei Paulínia, mas teorizo que deve ser difícil pensar numa identidade regional sem considerar o papel da refinaria como ponto marcador da cidade como é hoje — um mito fundador do municipalismo paulinense feito de aço e expelidor de fumaça.


Mas além disso, a Replan teve papel essencial no crescimento de Paulínia como potência econômica nacional. Seu IDH é um dos mais altos do Brasil — 0,795 pontos de acordo com o levantamento de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, conferindo à cidade a 56ª colocação no ranking nacional. Já o seu PIB per capita é o maior de São Paulo e o nono maior no Brasil, com bizarros 457 mil reais por habitante, de acordo com dados de 2021 do IBGE.  Resumidamente, Paulínia tem muito dinheiro e uma boa qualidade de vida — mas isso não compra bom gosto.

A fortuna de alguns municípios foi demasiadamente grande. Às vezes o puro acaso, como a descoberta do pré-sal, pode servir para transformar o que era antes uma região pobre na costa do Rio de Janeiro para uma das mais ricas no Brasil, como foi o caso de Maricá. Paulínia, naturalmente, não está na costa do Rio de Janeiro, mas teve sorte parecida — o que fez Médici acreditar que Paulínia deveria se tornar um polo do refinamento de petróleo e não uma cidade qualquer vizinha como Santa Bárbara d’Oeste ou Piracicaba? Bom, fato dado é que algum lugar teria que ser escolhido e isso pode ter acontecido por simples fortuna ou quem sabe a virtú de algum ente escondido na história deste espaço. As cartas foram jogadas e as mãos dos paulinenses estavam recheadas. 


O que pode ser feito com tanto dinheiro? Nós, enquanto gvnianos, com certeza teríamos as mais mirabolantes ideias: programas sociais corajosos, obras de infraestrutura imensas intencionadas a aumentar, em muito, a qualidade de vida da população, programas culturais ou quem sabe até uma grande universidade municipal. Um PIB per capita tão alto seria o sonho de qualquer metido a administrador público. Mas Paulínia, como todo esse dinheiro, soube exatamente o que fazer: construíram quatro grandes portais nas entradas da cidade em quatro diferentes estilos arquitetônicos — e eu gostaria de apresentá-los a vocês:



Primeiro, o Portal Medieval. Composto por três grandes belas torres que parecem ter saído de uma interpretação de Hamlet. A manualidade e elegância das pedras compõe de forma ótima o insulfilm medieval posto sobre os vitrais temperados. Adicionados toques de charme vem de todo o esmero com os belíssimos merlões e mísulas — acompanhados, obviamente, pelo ornamental brasão de Paulínia. Um espetáculo de acabamento e requinte.



Depois desse tour medievalístico, precisamos nos lembrar que estamos no Brasil e vamos para o Portal Colonial. Que adere aos elementos típicos das casas feitas pelos portugueses no Brasil. Uma quase réplica de um edifício que um transeunte poderia encontrar em Paraty ou num centro histórico. A paramentação de dezenas de azulejos portugueses complementa muito bem a tinta em tons lazuli que permeia as janelas e portas do belo edifício. Passa a impressão de que Paulínia tem alguma história fora de Replan. Quem sabe a cidade não poderia ter sido fundada por bandeirantes portugueses no século XVII?


Portal Colonial de Paulínia. Fonte: https://www.flickr.com/photos/consuelolima/4509756444
Portal Colonial de Paulínia. Fonte: https://www.flickr.com/photos/consuelolima/4509756444

Seguimos para um dos meus favoritos, o Portal Greco-Romano. Esse é um dos mais difíceis de encontrar fotos em boa qualidade. Talvez ateste para sua grandiosidade e prodígio. Gostaria de conhecer o indivíduo responsável pelo projeto para que pudesse entender as inspirações arquitetônicas com mais detalhes. O caráter lúdico das estátuas feitas de com certeza não-latão e que, em imagens mais recentes, parecem ter sido quase todas retiradas — intencionalmente ou não — complementam os desenhos finos das veias das delicadas pedras vindas de Cachoeiro de Itapemirim ou, mais possivelmente, Barra de São Francisco. As vivas colunas se assemelham ao majestoso Parthenon ou talvez tomem mais inspirações dos princípios da Ordem Toscana delineada por Andrea Palladio — com colunas não caneladas e um entablamento mais simples, sem triglifos ou gutas. 




Por último, o Portal Futurista, que, diferente dos outros, olha para a modernidade e, pelo nome, num projeto de futuro para a cidade e, quiçá, o Brasil. De longe o menos ornamentado — o que com certeza é proposital, pois me parece conversar com as tradições modernistas e pós-modernistas uma miríade de inspirações radicais e contestadoras. Todos devem saber sobre Le Corbusier e os seus cinq points d'une architecture nouvelle. Vejo que a interpretação dos cinq points pelos arquitetos dos portais eleva principalmente o papel dos pilotis numa construção, essenciais para a elevação do edifício criando pontos de passagem para as máquinas do futuro: carros — cabendo a reinterpretação da ordem de prioridades arquitetônicas nos outros portais também.


Fora Le Corbusier, fica claro a inspiração geral vinda do International Style. Van der Rohe, Gropius, Breuer e, acima de tudo, Philip Johnson e os seus inovadores trabalhos em vidro. Lembrem-se desse nome toda vez que passarem pela Faria Lima ou pelo Portal Futurista. Isso pois nem mencionei a quebra radical com a estética tradicional do vidro que o próprio Johnson usa. Tons mais amenos e enfatizando a transparência. Aqui, no portal, houve uma forte ruptura em prol de um belo tom de uma joia preciosa como a Turmalina Paraíba. Atraindo a atenção de qualquer visitante à cidade. 


Portal Futurista de Paulínia. Fonte: https://mapio.net/pic/p-51226234/
Portal Futurista de Paulínia. Fonte: https://mapio.net/pic/p-51226234/

Portais para cidades não são incomuns, mas aderir tão bem a tantos estilos de épocas e lugares e diferentes é algo impressionante. Recentemente houveram críticas à cidade de São Luiz do Anauá, em Roraima, que recebeu R$126 milhões em repasses e construiu com parte desse dinheiro um portal preconceituosamente descrito por alguns como estilo “greco-goiano” enquanto o resto da cidade tem problemas secundários, como acesso a água potável.


Vejo esse tipo de crítica como um grande empecilho. Num momento em que estamos vendo em nossa frente a morte da beleza em prol de uma lógica puramente utilitarista sobre o uso do nosso território, grandes obras públicas de artes surgem para rivalizar isso. Imaginem se tivessem tentado impedir a construção do Coliseu? Que história ainda teríamos de pé?


Autoria: Vigilius Paulinienses

Revisão: Ana Carolina Clauss e Erick Martins

Imagem de Capa: Foto digital, FLM Engenharia.

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