Era abril de 2019 quando uma matéria da Crusoé parou os noticiários de todo o Brasil. Nela, foi exposto um documento juntado aos processos da Lava Jato que indicava algumas mensagens da delação premiada de Marcelo Odebrecht, entre elas as especificações de alguns codinomes em uma tentativa de vencer a licitação para a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira. Entre os codinomes indicados, foi orientado para que houvesse uma aproximação do “amigo do amigo de meu pai”, usado para se referir a José Antonio Dias Toffoli, que ocupava o cargo de AGU na época das mensagens e que, posteriormente, seria indicado por Lula para uma vaga no STF.
Poucos anos depois, agora em seu terceiro mandato como Presidente da República, Lula volta a causar inquietude pela sua intimidade com o possível novo membro da Suprema Corte. No início do mês (1/6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o advogado Cristiano Zanin, de 47 anos, ao Supremo Tribunal Federal para a vaga deixada pelo ex-ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou no início de abril.
A indicação de Zanin gerou as mais diversas opiniões na sociedade e na esfera política devido à sua proximidade estreita com o atual presidente, pois não apenas foi advogado de defesa de Lula nos processos da Operação Lava Jato, como também é marido de Valeska Teixeira Zanin Martins, afilhada do atual presidente e filha de um dos membros fundadores do PT, Roberto Teixeira. Sua atuação na defesa de Lula se mostrou essencial para a indicação, nas palavras do próprio presidente: "Eu acho que todo mundo esperava que eu fosse indicar o Zanin, não só pelo papel que ele teve na minha defesa, mas simplesmente porque eu acho que o Zanin se transformará num grande ministro da Suprema Corte desse país".
As reações foram variadas. A oposição se pronunciou contrária ao nome de Zanin, apontando a forma que isso afeta a impessoalidade e ética esperada na indicação. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) enfatizou que "há um problema constitucional claro na questão do princípio da impessoalidade", mas ressaltando que talvez ainda fosse cedo para judicializar o caso. Outro senador, Plínio Valério, do PSDB-AM, apontou que "indicar o advogado particular é antiético".
Enquanto isso, uma grande parte dos apoiadores de Lula se alegraram com a decisão, argumentando que Zanin era um nome competente e que, enquanto os lavajatistas estivessem incomodados, Lula estaria tomando as decisões certas. Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, afirmou que Zanin "reúne condições e tem os predicados para ser ministro", além de garantir que não haverá nenhum tipo de demora na votação.
Os magistrados da Suprema Corte também fizeram seus comentários. Enquanto Luiz Fux classificou a indicação como “ótima”, Gilmar Mendes disse que Zanin é "uma pessoa qualificada". Por outro lado, a ministra Rosa Weber, atual presidente do STF, criticou a ausência de mulheres na corte no mesmo dia da indicação, alegando que “no Brasil temos muitas mulheres na base da magistratura, e isso decresce nos tribunais intermediários. Na cúpula, como o STF, por exemplo, e nos tribunais superiores o número de mulheres é ínfimo". A fala de Weber acompanha a decepção de uma ala da sociedade que se mobilizou para incentivar uma Suprema Corte mais diversa a partir da indicação de Lula e que, claramente, falharam em sua tentativa.
Agora indicado, Zanin ainda precisa passar por uma sabatina no Senado para concretizar a sua nomeação, na qual será questionado sobre os mais diversos temas que poderá enfrentar e ter que decidir durante o seu período na Suprema Corte. Por mais que nenhum ministro tenha sido rejeitado desde 1894 na sabatina e que a expectativa seja que Zanin não fuja à regra, a composição atual do Senado deixa uma incerteza no ar. Atualmente, a casa é composta por 13 integrantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, sendo que muitos deles eram ministros de seu governo, como Damares Alves, ex-ministra dos direitos humanos, Marcos Pontes, ex-ministro da ciência e tecnologia e Hamilton Mourão, ex-vice-presidente. Diversas figuras relevantes da oposição podem protagonizar um grande embate no Senado e dar trabalho para o indicado de Lula.
Ainda olhando para o Senado, nota-se uma relação intrigante com uma outra figura da casa legislativa, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Como anteriormente alegado, Zanin desempenhou um papel importante no processo da Operação Lava Jato, sendo o advogado de defesa de Lula. É aí que está a maior loucura de todo esse processo. Meus primeiros semestres da EDESP ainda me deixam longe de ser um advogado, mas já me fizeram sentir uma sensação estranha com toda essa situação. Lula foi condenado pelo atual senador e ex-juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato, tendo sua condenação posteriormente anulada pelo STF. Agora, voltando a ser Presidente da República, indica o seu advogado pessoal de defesa para a corte que o absolveu e, para ser efetivamente nomeado, seu antigo advogado será sabatinado pela casa legislativa onde está o próprio juiz que o condenou.
Um possível diagnóstico para toda essa complicação pode ir além de todas as turbulências políticas que passamos nos últimos anos, estando também relacionada ao processo de indicação dos ministros do STF e a falta de requisitos claros que indiquem a qualificação do possível candidato. Segundo os critérios estabelecidos pela Constituição Federal para a indicação de novos integrantes a Suprema Corte, é necessário que os membros sejam "brasileiros natos", tenham mais de 35 anos e menos de 75 anos, além de "notável saber jurídico" e "reputação ilibada". Nada mais do que isso é exigido para ser ministro do STF, apenas bastam conceitos vagos que pouco delimitam as possíveis qualificações que seriam necessárias para a resolução de problemas tão interdisciplinares e relevantes quanto os enfrentados pela Suprema Corte.
A verdade é que não apenas os requisitos para a indicação dos ministros são muito abrangentes como o processo de indicação de ministros do STF de maneira geral é uma incógnita. Os motivos que levam o chefe do Executivo a escolher seu indicado são difíceis de descobrir, e a articulação política feita em Brasília para a análise dos ministros indicados é ainda mais complicada para decifrar.
A indicação de Zanin em nada surpreendeu, tanto pela especulação de seu nome que já ocorria há bastante tempo, quanto pela relação próxima entre o presidente e o seu indicado não serem nenhuma novidade. Fato é que Lula fez um movimento arriscado e, para além de desagradar quem já era da oposição, sua decisão foi desaprovada por uma grande parte do seu eleitorado e decepcionou quem tinha expectativas de que se fosse seguir uma agenda mais conciliadora e diversa.
Autoria: Thomás Furtado Danelon
Revisão: André Rhinow e Artur Santili
Imagem de capa: Foto de Sylvio Sirangelo / TRF4
Referências / Fontes:
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