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O ANZOL



Meu quarto cheira a tudo, menos a você. Assim como Tim Bernardes, o que fiz não me dá a chance de me arrepender, mas não achei que tomar a decisão “certa” me deixaria tão vazio e pesado.


A gente se conheceu em um momento de calmaria de uma era conturbada da minha vida. Foi como tomar ar depois de mergulhar tão fundo quanto eu poderia. Sempre vi esses “mergulhos” como a minha prioridade, minha obrigação e até como o melhor caminho para a minha felicidade. Quase como se ela fosse um baú do tesouro no fundo do mar. Mas, vejo agora que talvez eu poderia ter tentado ser feliz na praia em vez de viver submerso na água. Na praia tem sol, água de coco, vôlei com amigos e você, tomando sol enquanto me espera voltar do mergulho com seus braços quentes e iluminados. Mesmo assim, senti que tinha que ir mais fundo, que poderia nadar vinte mil léguas, ver coisas fantásticas e achar Atlântida. No entanto, quanto mais eu afundo, mais escuro fica, menos vida eu vejo e cada vez mais a pressão me esmaga. Não sei o que me deixa mais confuso, estar infeliz de estar fazendo o que sempre quis ou saber por que fico procurando você em outras coisas.


Sim, eu sei que “existem vários peixes no mar”. Acredite, eu estou submerso aqui e já vi mil e um peixes e moluscos diferentes. Todo fim de semana, saio para algum lugar novo, falo com pessoas diferentes, muitas que nadam na mesma batida e direção que eu. Mas, não sou Tom Jobim e meu samba não pode ter uma nota só. A gente estava mais para os Novos Baianos, tínhamos uma química misteriosa, tão linda que parecia de outro planeta, que fazia tudo menos rimar. Aqui no fundo, vez por outra, encontro uma sereia cuja voz não me encanta. Não me prende. Claro que, vez por outra, me impressionei e nadei, um pouco, atrás de algumas. Contudo, logo parava. Elas poderiam até rimar, mas nunca me vi encantado o suficiente para me comprometer.


Nem sei o que você tem de tão especial. Você não é perfeita nem mesmo parece com a menina que eu idealizava antes de conhecer. Você me fisgou de um jeito tão inusitado que, mesmo que eu tenha cortado a linha da vara de pesca, o anzol ainda está preso aqui no meu peito. E, por mais que elas venham e sejam gentis, legais, interessantes e inteligentes, toda vez que passam a mão em meu peito, cutucam esse anzol desgraçado que eu deixei lá. Aí eu as recuso, me convenço que não vale a pena e vou embora. Nada parece valer o risco de ter outro anzol no peito. Nunca quis um para começar. Mas, de novo, foi tão rápido e natural que nem tive tempo para pensar. Só me deixar ser fisgado mesmo, arrastado para uma praia cheia de carinhos.


Fora dessa metáfora, pensar em você me faz querer beber tudo menos água. Entre meus dedos, seu cabelo já não passa, só fumaça. Não vou mentir e dizer que não tenho esperança de que vou achar outra pessoa ou que tudo que conheci desde então foi só tristeza. Estou, de fato, fazendo o que queria, estou me tornando o que queria. Sei que, no futuro, vou estar melhor, que tudo não vai ser mais tão difícil e que, provavelmente, vou estar com alguém que me faz feliz. Me sinto uma criança quando me vejo pensando nisso, mas queria poder ter tudo. Quero estar aqui me matando de trabalhar e realizando minhas ambições, mas também quero cair nos teus braços depois. Quero aprender a me tornar melhor, quero conquistas, mas quero ver as suas e queria que você visse as minhas. Quero conhecer pessoas novas, mas queria falar com você todo dia, sem falta. Quero ver o mundo e me maravilhar com ele e quero você nas fotos que eu tirar.


Meu pai sempre me disse que marinheiro bom se faz em tempestade, mas que porra de tempestade é esta aqui? Ela está batendo em mim com força e eu estou sem chão e com vontade de desistir. Quero ver Atlântida logo, quero ver os resultados do meu esforço só para poder descer mais fundo neste mar. Sei que tomei a decisão certa para mim, não hesitei em cortar a linha que você botou no meu peito quando chegou a hora, porque sabia o que tinha que fazer e você também. Não era justo pedir para você vir comigo. Sei que você também tem seus sonhos e responsabilidades e não posso ser egoísta e demandar que você largue tudo por mim e muito menos ficar chateado. Não me arrependo da decisão que tomei e muito menos do tempinho que passei com você. Começamos algo já sabendo o final e, com o decorrer do tempo, percebemos que dizer tchau seria bem mais doloroso e difícil do que tinhamos antecipado. A gente não se largou por um segundo e fez cada momento valer a pena. A gente se apertou cada vez mais forte à medida que a hora do “nós” acabava e cada um ia atrás do seu “eu”. Sou muito grato por você. A saudade que sinto é maior do que qualquer oceano, mas me considero privilegiado, pois sentir sua falta é uma honra.


Você me fez rir, chorar, dançar e amar de maneiras tão intensas que nunca poderei dizer que não sei como é me sentir vivo. Você foi o sol da minha praia, meu abrigo na chuva, o queijo parmesão no meu macarrão e o beijo mais maravilhoso de todos. Tudo está difícil, sinto medo de não ser feliz como era antes e que talvez meu orgulho e minha ambição tenham me tirado de um mundo ao seu lado. Não consigo parar de pensar no que eu tenho, posso estar afundando cada vez mais. Mas, quando estou sozinho nesse quarto podre, me afogando nas minhas lágrimas, tento olhar para trás com orgulho. Posso ter tomado essa decisão visando me tornar alguém de quem eu me orgulhe, mas de certo modo já me orgulho de mim por ter sido bom o suficiente para você. Tenho orgulho de ser alguém a quem você dedicou seu tempo e que te fez rir. Alguém bom o suficiente para merecer seu coração e suas lágrimas.


Por mais que eu esteja aqui fantasiando o dia que eu vou te ver de novo, já passou bastante tempo e sinto que já somos outras pessoas. Mesmo se a gente tivesse tudo para que desse certo dessa vez, pode ser que não fosse a mesma coisa. Contudo, se um dia a gente se encontrar, tenho certeza de que você vai me maravilhar do jeito que só você faz. Ser atingido pelos seus raios de luz já é bom o suficiente para mim. No dia em que o seu anzol sair do meu peito, pode ter certeza que vou guardá-lo com muito carinho e toda vez que parar para olhar para ele vou lembrar das coisas boas que você me mostrou.


Obrigado por ter me deixado ficar deitado com você naquela praia. Agora, vou em busca de Atlântida querendo sorrir como eu sorria quando via você.


Autoria: Julian Meyer

Revisão: Beatriz Nassar

Imagem de capa: Mary G. Williams no Pinterest

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