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O BRASIL DESCOLORIDA, SUJO DE SANGUE


De um povo heróico escutamos o brado retumbante de milhares de vítimas cujo o sangue mancha nossa bandeira. Nossa redatora Isabella Grimaldi exprime, através de um belo texto, toda a violência que marca a nossa história.



Verde, amarelo, azul e branco. Cores vibrantes, gritantes, cheias de significados, cores de uma bandeira, da nossa bandeira, cores que representam o Brasil. Ou que, ao menos, representavam. Parece que desde o início da nossa história essas cores vêm desaparecendo, sumindo aos poucos, deixando o país apagado.


Parte dessas cores foi roubada no momento em que a primeira caravela portuguesa atracou no litoral brasileiro. A colonização lusitana no Brasil foi agressiva, destruidora, racista e aproveitadora. Assim como todos os colonizadores, os portugueses estavam aqui para encontrar riquezas - minerais ou naturais - e desenvolver atividades econômicas que trouxessem dinheiro para a metrópole e isso, de fato, foi feito. O pau-brasil, a cana de açúcar, o ouro e o café foram explorados até o máximo esgotamento, colocando Portugal no topo do mundo europeu para os parâmetros da época. No entanto, os portugueses foram responsáveis por muito mais do que meramente uma exploração econômica. Eles escravizaram os povos nativos indígenas, destruíram aldeias, estupraram índias, reprimiram suas crenças e acima de tudo, assassinaram a cultura indígena. Aos índios foi imposto o catolicismo e a língua portuguesa, obrigando-os a omitir os astros em que acreditavam e aceitar, tão de repente, uma religião completamente distinta e carregada de dogmas, que condenava grande parte das práticas indígenas e deixava as tribos assustadas e desnorteadas. E isso não foi “tudo pelo dinheiro”. O preconceito do desconhecido motivava os portugueses e os fazia acreditar que eram de alguma forma superior e por isso, pensavam que suas deploráveis ações estavam justificadas. Mas só pensavam mesmo.


O que foi feito com os negros africanos também apagou um pouco do verde, do amarelo, do azul… mas do branco, não. A escravidão dos negros foi desumana e pavorosa, responsável por colocar os negros em condições piores do que cruéis, destruindo povos e grande parte da rica e, até então, colorida história da África. Os africanos eram separados de suas tribos e trazidos para o Brasil nos navios de tráfico negreiro, nos quais viviam amontoados como animais durante meses, escuros e sem higiene alguma. A fome, a sede, as doenças, a imundície e os mortos acompanhavam os escravos durante o trajeto, tornando toda a situação ainda mais agonizante. A escravidão deixou uma mancha na história do Brasil, uma mancha que se alastra até hoje, a mancha do racismo. A mancha que faz alguns acreditarem no absurdo que a cor define uma pessoa. Esse pensamento, por incrível que pareça, persiste e traz uma nova cor para o Brasil: vermelho. O sangue de muitos negros pinta o país e com ele, carrega essa história terrível e imperdoável.

O sangue de muitas mulheres e LGBT’s também vem manchando as cores originais da nossa bandeira e a pintando de vermelho. O machismo mata milhares de mulheres por ano, a cultura do estupro violenta mais de 130 mulheres por dia. Maridos espancam suas mulheres todo dia e toda hora, só porque estão bêbados; para eles, é “só” um momento em que eles perdem o controle e extravasam a raiva, mas para elas, que são as verdadeiras vítimas e sofrem e ficam com as marcas durante dias, é o pavor que elas sentem todo dia antes de o marido chegar com cheiro de álcool. Essa é a realidade das mulheres no Brasil, que são submetidos a uma violência sem igual e sem motivo algum… só porque são mulheres. Os LGBT’s também são alvo de violência e xingamentos nas ruas todos os dias. Muitas pessoas ainda acham que “não é normal” ter relacionamentos com pessoas do mesmo sexo ou se identificar com um gênero diferente do qual nasceu e por isso, legitimam a agressão contra essa minoria da sociedade. O que precisa ser dito é: o que não é normal é justamente essa violência e preconceito absurdo. Esse sim é, de fato, o problema. Quanto sangue precisa ser derrubado para que essa minorias fiquem livres deste estigma? Quantas mortes? Quantos estupros?

Infelizmente, as vibrantes cores do Brasil não só estão desaparecendo, como estão sendo substituídas por uma cor que, apesar de intensa, é símbolo de muito sofrimento das minorias da sociedade brasileira. O vermelho que mancha a nossa bandeira traz uma carga de preconceitos arcaicos e de agressões cruéis que não mancham só a bandeira, mas também a nossa história e a nossa imagem. As nossas cores vêm sendo roubadas desde os primórdios e já basta disso. O verde, o amarelo e o azul precisam voltar para limpar a mancha vermelha que se esparrama cada dia mais pela nossa nação.

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