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O FIM DO MUNDO.


(Música para a leitura:

“Tudo vira bosta” – Rita Lee)


Vou te falar uma coisa agora, mas você promete que não vai se desesperar? Eu sei que você nem sabe o que eu vou falar ainda, mas me promete isso. Eu juro que vamos nos ajudar até o fim deste texto, mas vamos precisar ser fortes. Não é nenhuma surpresa, mas é uma daquelas coisas que passam despercebidas, quase ignoráveis, até ser tarde demais. Ok? Então aí vai: essa fase da sua vida vai acabar.


Eu costumo andar por aí bastante. Acho que pego inspiração por osmose, então sempre tento passar tempo perto das pessoas desatentas, quando elas são o máximo verdadeiras com os outros e consigo mesmas. A natureza também traz ótimos momentos de iluminação (solar e cerebral). Conviver ao redor das árvores é tranquilizante e vibrante ao mesmo tempo. Mas, em um dia em particular (só que isso já faz algum tempo), eu me dei conta de uma coisa: eu faço esse mesmo caminho desde os meus 6 anos de idade. Eu praticamente não sei como fazer mais nenhum outro caminho. Eu só sei esse, afinal de contas.


Eu sempre estudei perto de casa. Dizem que as melhores escolas, padarias, supermercados e lojas são aquelas perto de casa. E isso me deu a comodidade de poder sempre ir andando para a aula. Mas um dia, eu saí da escola. E agora? Faço o quê com a minha vida? Vai para a faculdade, claro. Mas que caminho eu pego? Eu só sei um, afinal de contas. Eu saio de casa e paro aos pés do Edifício Rotary, no Colégio Rio Branco. FGV? Eu não vejo isso no caminho da escola…


Será esse o fim do mundo?


Foi difícil admitir isso. Você sente até batendo no seu peito, incomoda. Como se criasse um pequeno vácuo momentâneo no seu coração—que susto. E é assustador mesmo, mas só no começo, quando mal nos conhecemos, depois começamos a ver que estávamos (quase) errados. Afinal, todos sabemos que isso é verdade, mas parece tudo tão longe… pra que se preocupar? Daí, PÁ, ele chega e você está como? Nos últimos meses da escola, na reta final da faculdade, se despedindo de colegas de trabalho, se despedindo dos seus pais, se despedindo do país. É o fim de uma das temporadas da sua série, que virá com novos personagens, novos problemas e novas alegrias. Quem sabe até a abertura vai ter uma música nova…


É engraçado imaginar que a minha vida se resumia a um trechinho de terra de 1 km. Todo o resto eram alguns episódios especiais. Você se acostuma, e sair da zona de conforto sempre é amedrontador. No mínimo, um incômodo. Mas você sai. Você vai para a faculdade, para o trabalho, para o resto da sua vida inteira. E até aí você também se acostumará e, um dia, vai ter que trocar tudo de novo. Não vale a pena discutir a natureza da mudança, mas vale a pena conversar sobre como vemos isso.


O fim do mundo não está próximo. O fim de um mundo, talvez. Aquilo que aprendemos a conviver um dia terá que se tornar uma memória, e teremos de aprender a conviver com algo novo. Mas a sensação de fim do mundo é inevitável. Arrumamos tudo: conversamos com todos os amigos sobre como foi bom passar esses últimos anos juntos, deixamos as responsabilidades em ordem, pensamos no futuro e no que teremos de fazer daqui para frente, mas nunca imaginando que seríamos nós mesmos quem faríamos esse futuro. É tudo tão distante, não é? Sentimos a tristeza de deixar algo para trás, nos preparamos para enterrar uma versão de nós mesmos, a qual vemos que já passou da sua hora. Sentimos aquele frio na barriga e, então…


…a vida continua.


Nada mudou tanto assim: o sol ainda apareceu, as árvores ainda têm folhas, os nossos amigos continuam vivos e até aquela versão que enterramos algumas frases atrás deu para brincar do monstro de Frankenstein. Você continua você. Não existe enterrar o passado; até porque, sem ele, o presente não tem sentido. O fim do mundo… tem um fim. O nosso desafio, agora, é nos ajustar a essa “nova” realidade pós-quase-apocalíptica. O que eu acho incrível é que geração vai, geração vem, e ainda passamos pela mesma experiência. Parece um grande esquema que armamos contra nós mesmos para aprendermos a lição do jeito difícil.


Já ouviu falar da analogia da cenoura? Você nasce e, quando entra para a escola, te contam que tem uma cenoura que você precisa conquistar. Só assim a sua vida vai começar de verdade. O nome da cenoura? Ensino médio. Daí você chega, você pega a cenoura, mas te contam que, na verdade, a cenoura é outra: a faculdade. Aí você vai para a faculdade, se forma, ganha um emprego, trabalha e… cadê a cenoura? Quando é que a vida começa?


A vida já começou. Ela começou exatamente no começo. E nunca mais parou.


O mundo só acaba porque imaginamos que saímos dessa fase preparatória, deste momento em que estamos apenas aprendendo a andar, para que no futuro possamos correr. Mas ninguém te contou que você já está maratonando há alguns anos. Aproveite cada dia como um dia, e nada mais. Pense no futuro, se planeje, claro. Mas o mundo não vai acabar, ele só está ficando cada vez mais interessante de se viver. Titia Rita já dizia: “A gente nasce. A gente cresce, estuda, trabalha. Arranja um emprego. Ganha grana. Vai ao supermercado. Tosta toda grana na comida, chega em casa, faz comida, come tudo e tudo vira bosta.” Eu nunca achei que essa frase queria dizer que nada importa, porque tudo acaba no fim. Pra mim, ela significa que esperamos tanto alguma coisa acontecer, corremos atrás de tudo só para ganharmos aquela cenoura. Mas no final, francamente, “tudo vira bosta”. Então, para quê esperar? Dane-se que o mundo acabou. Eu quero viver.


Recentemente, comecei a perceber que eu só sabia fazer um caminho: da Higienópolis-Mackenzie até a Trianon-MASP. E daqui a pouco, o mundo iria acabar. Comecei a sentir pânico, uma sensação horrível de Déjà-vu. Apesar de tudo, eu ainda tenho medo do fim do mundo, como todo ser racional. Mas eu já sobrevivi a um fim do mundo. O que são mais alguns para a conta?


O fim do mundo chega um dia para todos nós, mas o importante é saber que sempre sobrevivemos a esses fins. A vida fica um pouco diferente, tudo fica um pouco mais esquisito—mas só por um suspiro. Dali a pouco, você já está preocupado com o fim deste outro mundo que aprendeu a amar. Sejamos menos fatalistas, afinal: nós estamos lá, no fim. Viva tudo com calma, o mundo não vai acabar tão cedo. Mas tenha pressa—a pressa de não deixar os momentos passarem em vão, porque essa fase da sua vida vai acabar.



P.S: Costumeiramente, eu coloco a minha “Música para a leitura” com um(a) cantor(a) diferente para cada texto. Eu já usei Rita antes, mas ela tem passe livre. Um beijo, titia.


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Autoria: Enrico Romariz Recco

Revisão: Giovana Rodrigues

Imagem da capa: Acervo pessoal


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