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O PARADOXO DE PRESLEY: HARMONIA E DESILUSÃO



Escrevo esse texto enquanto ouço músicas do Elvis, incerta sobre como deveria me sentir. Elvis Presley: o chamado Rei do Rock, um dos ícones culturais mais significativos do século XX, uma estrela nas telas e uma ode aos ouvidos. Elvis Presley: um marido tóxico e abusivo?


O novo filme de Sofia Coppola, Priscilla, denuncia a (não tão bela) história de amor dela com o astro. Baseado no livro Elvis e Eu, escrito por Priscilla e publicado em 1985, o filme protagonizado por Cailee Spaeny e Jacob Elordi foi sucesso de bilheterias em 2024, caminhando para se tornar a maior estreia da produtora MUBI nos cinemas. A indústria sabe o conteúdo que os telespectadores querem consumir. Demorou, mas a conscientização sobre relacionamentos tóxicos é um tópico que agora pode ser comentado. Depois de quase 40 anos, a história do casal ganhou espaço na mídia e a trajetória do cantor ganhou um novo ponto de vista.


Comecemos do começo (para um possível leitor desinformado): Elvis Presley é um músico sensacional, suas músicas foram descobertas na década de 50, ele foi o artista que mais vendeu discos no mundo e até hoje suas obras têm altas visualizações nos streamings. Com sucessos como Suspicious Minds, Can’t help falling in love e Jailhouse Rock, é difícil negar seu talento. Lembro-me de quando primeiro descobri quem era Elvis Presley, com certeza já tinha ouvido alguma música dele na rádio ou em algum CD dos meus pais, mas ele apareceu para mim em Lilo & Stitch. Eu amava esse filme, e ali ele foi retratado como um astro, alguém que todos amavam e almejavam ser, Lilo chega a chamá-lo de “cidadão modelo” e foi essa imagem que se gravou em mim. 


Muitos anos depois lança-se o filme Priscilla, e meus sentimentos sobre ele se tornam confusos: Devo continuar a adorar seus sucessos? Devo repudiá-lo completamente pelos atos que cometeu? O filme segue o ponto de vista de Priscilla, que conhece Elvis em uma festa quando ainda tinha 14 anos, e ele, 24. A paixão entre eles começa de maneira bela, uma parceria baseada na confiança e no conforto, o músico era dócil e muito compreensivo. Contudo, ao longo do filme é possível reparar que os comportamentos dele começam a mudar, ele critica a aparência de sua amada constantemente e toma decisões estéticas por ela, ditando que estampas pode usar, de que cor deve pintar seu cabelo e a quantidade de maquiagem que deve aplicar. Não só isso, ele começa a se tornar agressivo, grita com ela e a culpa por tudo, chegando a arremessar objetos e até mesmo bater nela, mas sempre se mostrando arrependido, pedindo desculpas e a fazendo acreditar que aquilo não se repetiria. Elvis a controlava, a manipulava e fazia tudo isso com mais facilidade por ela ser mais nova, justificando que ele sabia mais. 


Priscilla relata que a relação deles dependia do sucesso de Elvis: quando sua carreira ia bem o carinho entre eles se mantia, mas quando ele se via estagnado ou frustrado com suas músicas, a rispidez e a violência se instauravam. Outro detalhe real que aparece no filme é o desgosto do cantor pelo trabalho de sua mulher; ela não poderia dedicar-se a outra função enquanto estivessem juntos pois isso iria dispersar sua atenção, então, ela foi proibida de trabalhar. Priscilla tolerou por muitos anos os comportamentos do marido, até que se separou dele em 1973 e pôs um fim aos atos violentos com os quais tinha que lidar e que havia, inclusive, normalizado.


É claro ao assistir o filme que Elvis era um parceiro tóxico e muito machista, mas eles viviam em uma época em que seu comportamento era aceito. Uma coisa é falar que você nasceu em uma época diferente e não entende as “frescuras dos dias atuais”, outra coisa é julgar um acontecimento do passado com o conhecimento que temos hoje. Não é justo praticar um anacronismo aqui. Priscilla não percebia as violências, e hoje entende que o marido a tratava como se fosse um objeto, uma boneca com a qual podia brincar e sobre a qual tinha total controle, mas também o defende, dizendo que vivam em outro tempo. A década de 50 definitivamente tinha suas peculiaridades.


O filme se passa em uma época diferente, mas retrata uma realidade que não deixou de ser atual. Talvez o público até se identifique, por isso, vale a pena assisti-lo no cinema com uma plateia tão incrédula quanto você: ouvir as risadas de nervoso ou ironia, os suspiros de espanto ou horror, e observar a cara de confusão dos telespectadores, que ainda assim admiram a música de Elvis.


Ouvi alguns relatos indignados ao fim do filme: Por que Priscilla nunca tentou alertar ninguém? Como ele a tratava assim mas a mídia o retratava como uma figura exemplar? A verdade é que apesar de tudo ela o amava, e não desejava destruir sua imagem com o público, e pouco importava aos seus fãs o que seu ídolo fazia de errado, desejavam ver seu sucesso e idealizá-lo ainda mais. Digo com convicção que ele não é o único artista do seu tempo que foi visto como um exemplo de pessoa mas tinha comportamentos extremamente machistas, talvez desmascarados anos depois, ou ainda encobertos por mulheres com medo de serem julgadas ou chamadas de mentirosas.


Priscilla foi corajosa ao contar sua experiência, e encontrou em Sofia Coppola, uma mulher, a confiança para trazer sua história para as telas e transmitir para muitas outras que podem estar vivendo o mesmo. Muitas pessoas assistiram a esse filme, e talvez ele ajudará mulheres que estão em relacionamentos abusivos a compreender o perigo das micro-agressões de seus parceiros, mas quiçá isso seja mirar alto demais. 


Diante disso, é impossível não falar do incrível papel de Sofia Coppola: cineasta, roteirista, produtora e atriz. Uma mulher muito talentosa que concretizou esse filme, e ainda fez uma obra cinematográfica sobre um cantor sem usar uma única música dele. A filha de Elvis, Lisa Marie Presley, proibiu o uso das obras do pai antes de falecer, pois segundo ela, sua imagem estaria sendo manchada. Mesmo assim, a cineasta conseguiu contornar o problema. O filme é retratado de uma maneira muito bela, com atenção aos detalhes, à estética e ao figurino. Entende-se a dualidade da história de uma mulher que está presa entre o glamour e a solidão. A história de uma mulher que foi puxada para essa realidade quando ainda não tinha idade para entender o que isso implicaria. Uma história de amor incompleto com cenas de completa beleza.


Escrevo esse texto no mês de março, antes que esqueçamos que dia 8 foi dia internacional das mulheres. E depois de entregar flores e chocolates, já se esqueceram que esse mês é em homenagem à nossa luta. Desejo, então, a todas as mulheres, um “feliz mês da mulher”, e desejo que todas tenhamos a força e coragem de Priscilla Presley, o talento e a resiliência de Sofia Coppola. 


À esquerda uma cena do filme com os atores Jacob Elordi e Cailee Spaeny; à direita uma foto real de Elvis e Priscilla Presley, na qual é possível perceber o cuidado do filme com a verossimilhança.


Autoria: Elis Montenegro Suzuki

Revisão: André Rhinow e Laura Freitas

Imagem de capa: Cartaz do filme Priscilla

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Referências/Fontes: 

Billboard Brasil. Priscilla: O que é verdade e o que é ficção no filme de Sofia Coppola? Disponível em: https://billboard.com.br/priscilla-o-que-e-verdade-e-o-que-e-ficcao-no-filme-de-sofia-coppola/. Acesso em: 23 mar. 2024.


People. Elvis Presley e Priscilla Presley: a selvagem história de amor contada em Priscilla [Exclusivo]. Disponível em: https://people.com/elvis-presley-priscilla-presley-wild-love-story-told-in-priscilla-exclusive-8385599. Acesso em: 23 mar. 2024.


Rolling Stone Brasil. O porquê do filme de Priscilla Presley não ter músicas de Elvis. Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/cinema/o-porque-do-filme-de-priscilla-presley-nao-ter-musicas-de-elvis/. Acesso em: 23 mar. 2024.



Biography.com. Priscilla Presley e Lisa Marie Presley reagem ao filme de Priscilla. Disponível em: https://www.biography.com/celebrities/a45735605/priscilla-presley-lisa-marie-presley-react-to-priscilla-movie. Acesso em: 23 mar. 2024.


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