top of page

O PRATO E A ESPONJA, O HOMEM E A MULHER



Venho aqui contar uma história triste. Triste, talvez melancólica, ou talvez, somente real. É claro que ser real não quer dizer que não pode ser triste, mas quando digo real quero dizer que somente o que restou foi o que acontece, sem interpretações sentimentais, só as coisas como elas são, sem possibilidade de mudança e, portanto, sem a necessidade de achá-las qualquer coisa que não só reais. Pode ser que eu esteja conformada demais. É que descobri recentemente que mesmo as coisas inertes estão fadadas à miséria, e isso tirou minha esperança.


O PRATO

Por vezes o não pertencimento é tão gritante que sinto minha voz lá no fundo esperneando. Trancada, querendo sair, mas não tendo lugar algum para ir. Se a deixasse sair, todos fariam pouco dela, como sinto que fazem de mim. Talvez sejam só interpretações mal feitas ou vozes malditas, mas o problema é que a origem desses pensamentos não tem tanta relevância assim quando eles te dizem que você é pouco importante, que é pior que todos. Porque se você não importa, nada o que você faz importa, sua vida não importa. E então você deixa de sentir, e deixando de sentir você deixa de ser. Quantas pessoas não andam por aí existindo, mas não sendo? Para mim, pelo menos, são várias as vezes que a minha voz que esperneia grita tão alto que suga tudo o que anda calmo por aí. E se suga tudo, nada mais tem. Por um tempo, parece que a voz se acalmou, mas então ela volta e tudo se repete. Antes, quando o silêncio aparecia eu imaginava que a voz nunca mais voltaria. Hoje em dia, tudo mudou, porque quando o silêncio vem, só espero a gritaria voltar e de mim, novamente, sem remorso, tudo tirar.


O pior é que quem tira tudo de mim é quem colocou as coisas lá. De um dia para o outro, eu me torno inútil, pois as pessoas que me dão utilidade de repente a tomam de mim. Por todo lugar que passo, me abro, permito-me sentir e confiar e, por um tempo, até que funciona, tem certa reciprocidade. Mas parece que tem uma data de validade. Com o tempo, as coisas que compartilho com as pessoas vão se tornando menores e menos importantes, até que elas, com garfo e faca na mão, arrancam tudo de mim. Como se não bastasse me inutilizar desse modo, elas me jogam para escanteio. Nesse período eu não costumo conhecer ninguém, demoro para processar o que a última relação me causou.


Foi em um desses períodos, acho que poderíamos chamá-los de “lutos”, que conheci um ser especial. Ela me ajudou como ninguém havia me ajudado antes. Tirou de mim os resquícios da dor, da perda e, a partir daquele momento, pude me reinventar. Achei que não me perderia de novo, mas acontece que me perdi. Só que agora era diferente, porque eu tinha alguém lá para mim. E ela me ajudou de novo e de novo, todas as vezes que precisei. E eu a amo por isso.


A ESPONJA

Eu não sei como sair daqui. Estou presa. Presa ao meu próprio altruísmo, à minha necessidade doentia de ter que ajudar a todos. No começo, me fazia bem. Eu tinha que aguentar algumas coisas que me prejudicavam, mas ficava feliz por vê-los saindo mais felizes depois de me encontrarem. Eu os consertava, era isso que fazia. Mas agora não. Agora estou contaminada, estou suja pelos podres dos outros, sugo tudo para mim, o bom e o ruim, e depois guardo, deixo bem guardadinho. Só sai a força, só se tirarem a força tudo que está aqui. Só se me espremerem como se espreme uma laranja. Mas quando espremem uma laranja, pensam no suco delicioso que sai dela e não na dor que ela sente, nem no abandono que fica depois. Comigo também. Fico vazia porque me espremem e não me preenchem mais. Aprendi que fui destinada a isso. É para isso que existo, para consertar os problemas dos outros.

Já estou farta.


***


Eu não lhe disse, leitor, que essa era uma história triste? O Prato sai feliz. Pode ter sofrido e continuar sofrendo, mas ele acaba feliz. Porque ela está lá para ele. Ela vai cuidar e vai ajudar. Mesmo que demore a aparecer, algum dia ela aparece e a gente sabe que ela vai sacrificar tudo para ficar com ele, para consertar o homem errado que ele é. E se ele se sujar de novo não importa, porque ela vai estar lá. É para isso que ela existe. Pelo menos foi isso que a ensinaram. A Esponja aprendeu a vida toda que tinha que cuidar dos outros, mesmo que saísse prejudicada, mesmo que um dia fosse para o lixo por conta de toda a sujeira que limpou. E não venha me dizer que é um sacrifício nobre. É verdade que o Prato sofre, que o Prato precisa gritar e se expressar e nunca lhe deram oportunidade, mas a Esponja nasceu fadada a uma vida de miséria, essa é a verdade. O Prato é frágil e pode quebrar, mas a Esponja se retrai no primeiro toque que você der. Não é justo e você sabe.


Autoria: Tiz Almeida

Revisão: Bruna Ballestero e Letícia Fagundes

Imagem de capa: Freepik/ User: kvladimirv

bottom of page