top of page

O que deveria ser considerado na nomeação de ministros para o Supremo Tribunal Federal?



Durante as eleições presidenciais do ano passado, uma das questões que ponderei muito antes de escolher o meu candidato era "quem eu quero que indique dois ministros ao STF?". Obviamente, também procurei saber como as candidaturas se davam nas matérias de direitos humanos, demarcação de terras, liberdade religiosa, feminismo e movimentos étnico-raciais. Mas a questão das indicações teve um peso enorme na minha decisão, pois a composição da Corte é um dos fatores mais relevantes quando pensamos em estratégias processuais como a escolha do momento para ajuizamento de uma ação, uso de precedentes na argumentação que caminham no mesmo sentido que a tese procurada ou a proposição de acordos judiciais.


A partir da análise de perfil dos integrantes, é possível prever minimamente o posicionamento de cada um(a) em assuntos muito importantes como a descriminalização do aborto, a validação de prova obtida em busca pessoal baseada na cor da pele e o marco temporal de terras indígenas. Se você é uma advogada de alguma associação nacional pela descriminalização do aborto, é muito importante analisar as tendências que cada membro da Corte possui. Se o STF parecer ter uma postura conservadora em relação à liberdade sexual feminina, talvez não seja o momento apropriado para ajuizar uma ação que trate sobre o aborto, uma vez que a probabilidade de conseguir uma decisão favorável seria muito baixa.


Além da importância de saber quem são os membros da Corte e as suas tendências, tão relevante quanto isto é saber qual é o tamanho das atribuições que o órgão possui e a sua capacidade de influenciar os caminhos do país. A Constituição Federal de 1988 confiou ao Supremo um superpoder: o de, essencialmente, garantir sua própria guarda nos termos do Artigo 102 de seu texto. Assim, podemos interpretar que a Corte, como mantenedora da Constituição, tem uma poderosa carta na manga caso precise justificar medidas que tomem um caráter inusitado. Muitas vezes vemos isso na forma do ativismo judicial.


Com a saída antecipada do Ministro Ricardo Lewandowski, em 11 de abril, e da Ministra Rosa Weber, que também sairá da Corte no segundo semestre de 2023, o Supremo terá duas vagas livres das onze que o compõem. Cabe ao Presidente da República as nomeações das pessoas que ocuparão as vagas, que devem ser aprovadas pela maioria absoluta do Senado Federal.


Diante disso, concretiza-se o meu receio em relação às indicações aos postos vagos da Suprema Corte brasileira. A ideia de que Lula nomeie seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, ao STF me parece ser controversa demais para que se realize. Ainda que não seja proibida a indicação do próprio advogado do Presidente e que Zanin preencheria os requisitos de idade (mais de 35 e menos de 70), do notável saber jurídico e da reputação ilibada previstos na Constituição, me parece ser muito pouco provável que o Senado Federal, na sua atual composição, aprove o advogado que defendeu Lula nos processos da Operação Lava-Jato para um cargo de tamanha relevância como a de um Ministro do STF.


Entretanto, há a possibilidade de alguns senadores aprovarem o nome de Zanin por entenderem que ele foi um advogado excelente no caso Lula, sendo um dos profissionais que mais se destacaram durante a Operação Lava-Jato. Não só seu cliente foi solto, como teve também todas as suas condenações anuladas. Talvez seu nome seja estratégico no STF porque o órgão ainda tem ações da Lava-Jato sem julgamento e sua presença lá poderia mudar o entendimento da Corte em relação à Operação, mas acredito que isso seria uma aposta alta demais. Os senadores têm convicções fortes sobre costumes, religião, agronegócio, etc. e isso muitas vezes se sobrepõe ao medo da Lava-Jato.


Além disso, o contexto atual brasileiro parece não ser muito receptivo a uma indicação com esse viés tão pessoal e controverso. Acabamos de vivenciar um dos maiores ataques ao Estado Democrático de Direito brasileiro, as sedes dos Três Poderes foram depredadas no dia 8 de janeiro, inúmeros objetos de grande valor foram quebrados e até esfaqueados (R.I.P. As Mulatas de Di Cavalcanti). Também tivemos uma das eleições presidenciais mais polarizadas desde a redemocratização do país, na qual o petista foi eleito com apenas 1,8 milhões de votos válidos a mais que Jair Messias Bolsonaro, o que explicita uma forte divisão do eleitorado brasileiro. Dessa maneira, não vejo qualquer possibilidade da concretização da hipótese de Lula indicar Zanin e dele ser recebido pacificamente pelo corpo político nacional.


Enquanto pensava em qual pessoa eu votaria à Presidência, pensei que os candidatos nomeariam juristas que refletissem minimamente os valores que eles transmitiam em seus discursos e falas em debates. Na campanha de Lula, tive a impressão que havia ali uma grande preocupação com a desigualdade racial e social brasileira. Imaginei que, se eleito, Lula indicaria dois nomes ao STF condizentes com a sua propaganda, que representassem os valores que ele tanto defendia enquanto era candidato à Presidência pela terceira vez.


Pessoalmente, eu gostaria que as próximas pessoas indicadas representassem uma parte muito significativa da população brasileira que em pouquíssimas e excepcionalíssimas vezes fizeram parte do retrato do Supremo Tribunal Federal, gostaria que uma jurista negra e uma jurista indígena fossem indicadas. Acredito que esse desejo seja totalmente compatível com as diretrizes do atual Governo, este que nomeou Silvio Almeida como líder do Ministério dos Direitos Humanos, e Sônia Guajajara ao cargo de Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, podendo muito bem indicar duas juristas seguindo essa tendência.


Isso é muito importante quando pensamos na legitimidade do Supremo, uma vez que ela não vem do voto, mas sim da indicação política. Assim, é compreensível que algumas pessoas sintam descontentamento em relação às decisões da Corte. Acredito que a falta de um sentimento de identificação entre o povo e o mais alto órgão do poder judiciário pode até proteger os ministros desse órgão das aflições e manifestações populares ao julgarem os casos, mas essa mesma distância pode se transformar em ataques pessoais aos juízes e ao Estado Democrático de Direito, como temos visto cada vez mais. Além disso, a falta dessa identificação nos aspectos social e étnico-racial impede que o plenário da Corte, diante dos casos polêmicos que envolvem os mesmos, conheça a complexidade dessas questões e, com isso, seja capaz de tomar decisões mais cuidadosas.



Autoria: Mônica Takehara

Revisores: Enrico Recco e André Rhinow

Imagem de capa: Palácio do Supremo Tribunal Federal. Tirada por Mônica Takehara



bottom of page