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O QUE TANGENCIA O AMOR E NINGUÉM ME CONTOU


Gracinha!


Sei que faz tempo, tá? Mas tô pra te confessar. Sempre procurei o amor em todo lugar, talvez tentando criar coisas boas o suficiente nas quais poderia me apoiar — e, por isso, achava que o conhecia. Mas, talvez de forma contraditória, nunca senti que merecesse ser amada assim. É engraçado ver as coisas se tornando reais, pela primeira vez sentir que você era pra mim. Com o amor, vieram todos os confortos de te amar de domingo, assim como os medos de te perder pra um caminhão de carga, por exemplo.


Quando você falava das imprevisibilidades da vida, sabia que tinha um ponto. Mas sempre tive raiva de conceber que você se apoiava nisso pra tomar algumas decisões. Cê vai se ver comigo se ficar de bobeira no meio da rua de novo.


Por um tempo, vivi com raiva da futura Eu. Já que tudo era tão bom, se as coisas acabassem, só poderia ser por uma besteira muito grande — e não conseguia aceitar que perderia seu narizinho bonitinho por te machucar tanto. Não saberia por onde me perdoar.


Nos primeiros meses tive que aprender a ficar longe. Saber administrar minha cabeça; ser capaz de pensar em coisas que fossem além do quanto eu queria que tudo acabasse logo pra poder te ver. Os sentimentos secundários do amor são algo que ninguém me contou sobre amar. Mas, enfim, mesmo que eles tenham me assombrado, tudo se resolveu. Você sabe que eu preciso de uns três meses de adaptação pra tudo.


O que sempre me deixava quentinha era a forma de sentir tua presença: imutável, intransponível e transparente, jamais invisível.


Cresci muito apegada aos registros, você sabe. Sempre achei que o luto e a saudade tinham muito a ver com o medo de esquecer. Saudade até que é bom, melhor que caminhar vazia. Mas sempre tive medo de esquecer. A chance das coisas virarem pó me assustava, sabia que minha memória não andava tão boa assim. O que mais me irritava era a possibilidade de ter que me esquecer das coisas bonitas pra dar espaço a ocupações que eu nunca gostei tanto.


Pra te resumir esse tempo, me acostumei com a ideia de te ter agora. E me contento com isso. Saber que posso passar aí pra te dar um cheiro, amaciar seu cabelo fios de cobre, sentir seu rosto no meu.


Mas amor, não gosto de história pela metade, tá? Pra ser sincera, ainda me borboléta tudo que te confessei lá no começo. E ainda bem que, mesmo aprendendo a lidar com as dores do amor, por nenhum momento deixei de te amar como antes. Se eu dissesse que o tempo para, estaria mentindo. Sinto o tempo escorrendo, de janela aberta, escancarada. Passa perceptivelmente, mas não me incomoda. Por outras vezes, passava inconvenientemente por entre as frestas, gelando minhas costas, barulhando meu ouvido. Me fazia sentir a falta, diferente de sentir saudade. E já te falei, descobri que te amava, porque pensava em você vira e mexe, me lembrava daqui pra lá. E de lá pra cá só te sinto cada vez mais perto, cada vez melhor.


E gosto tanto do seu frescor que certamente não se faz entender, mas seu beijinho som de mel, teu carinho cor de céu, sua boca de hortelã. E seu cérebro semeado, suas ideias tom de flor, seu rostinho, seu sabor! Contigo sinto o tempo passar e ainda acho graça. Não o perco, não perco nada. Às vezes, acho nosso silêncio tão completo, que sinto como se estivesse ouvindo uma música muito boa, cujo nome nunca vou descobrir.


Quero sempre te abraçar com o doce da vida, sentir na pele as coisas fresquinhas, o suave do lençol, a tira das marquinhas. Mas também te espero daqui pra vencer bem. E vencer na base da ternura é o que a gente sempre fez de melhor, não é?


Então, vem de lábia no meu sorriso, lê as unhas do meu destino e vamos rir da besteira que isso vai dar. Só não me engana que eu não gosto, tá? Mas faz pirraça na minha cama, me tira, me gama — que é isso pra enquanto tudo durar.


Autoria: Amanda Louro Sanchez

Revisão: Beatriz Nassar, Glendha Visani e João Vitor Garcia

Imagem de capa: ilustração de Georg Hallensleben


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