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O QUE UM PROFESSOR PROVOCA


“Pois, minhamente: o mundo era grande.

Mas tudo era muito maior quando a gente ouvia contada,

a narração dos outros [...]”¹

Guimarães Rosa, “Uma estória de amor”


Já se perguntaram quantas coisas nos são, mas não nos pertencem? Deveras, estamos mais de passagem. Somos como duas mãos que se agarram, fitam, seguram e depois passam para o próximo ser futuro. Tentamos deixar um pouco de nós nesse caminho, mas, no fim, quase tudo o que temos já nos foi deixado. O Nosso-mundo, esse sim, transformamos. Sendo assim, o motivo mais plausível para a vida é transformá-la. Uma vida que foi igual de uma ponta à outra é dotada de muita pequenez. Quanto mais esparso o jeito do início ao fim, mais grandeza a gente encontra dentro da alma, por vezes já idosa. Alguns seres têm papel crucial nesse início. É deles que falo aqui.


“Todos nós, certamente, uma vez já nos queixamos sobre o primeiro contato com o Mundo - diferença de mundos. Intervalo, pessoas grandes e depois pequenas. Intervalo, caneta em mãos. Intervalo, absorvendo o que dá e o que não nos dão. Intervalo, esquecendo coisas lembradas e lembrando coisas esquecidas. Nesses muros, constrói-se a escola. Uma escola que me remete a esparsos sofrimentos, mas que também me afirmou profundas, pacatas e duradouras alegrias – meus amigos, meus momentos...


No horizonte, uma paisagem futura. Da minha parte, quis voar longe, ter asas: transbordar os limites mostrados e outros tantos que pressentia. Essas coisas, aquele canto me dava vezes de mais e outras de menos. Desabava-me em alguns sentidos, cativava-me em outros – dava e desdava. Dizem que incertamente haveremos de revolucionar. Isto é, tornar mais ameno - fazer o Sol da manhã e os pássaros cantarem de uma forma que ouviríamos. Certo, mesmo, é que um agente naquele ambiente iria, para a infinitude, em minha vida umas sementes plantar.


Do que me passaram, associo pouco do que realmente aprendi de concreto. Aprendi? Deposito pouca fé dependendo do aprender. Há um certo inconsciente - um arcabouço de memórias. Ele é grande, muito. Tudo engole, está aqui, minha substância, de alguma forma, mas outra parte – talvez a majora - saiu sabe-se lá por onde, e não parece expressar significado algum. Letras, Números, Elementos e Momentos; muitos no vazio se perderam, outros cimentaram uma crosta que me prepararia para o mundo. Me sentia cada vez pior e tolo, uma criança avoada que achava saber escrever poemas. Quieto, a confusão foi gerada. Nada disso passaria a importar. Significados começaram a arder em mim. Curiosidade.


O sujeito extemporâneo que evoco aqui são aqueles que formam um imaginário comum com jalecos bem presentes. Mais amantes do que qualquer outra coisa, era essa proeza que teriam de me passar. E passaram. Professores. São professores. São bons em algo muito. Mas, eles realmente teriam me passado tanta matéria material escolar? Me esforço para relembrar: talvez um pouco sobre uma revolução na Bahia em séculos perdidos ou determinadas regrinhas logarítmicas fadadas a perder sua razão aqui dentro. Agora, certamente, o que souberam gesticular foi o amor. O amor às coisas, ao fora-de-casa. O amor pelo conteúdo, não a mesquinho – pueril, efêmero e que se basta, acabando -, mas o megalomaníaco. Ele exige uma busca: a doutrina do amor ao conhecimento que esfacelou todos os significados que eu acostumara atribuir à minha vida.


Ridículo. Não me envergonho, firme no meu canto: não há muito como fugir. Mas é o que esse amar permite: esquecer os arredores para dar lugar a um arredor maior ou que talvez valha mais a pena. Via isso neles logo. Envoltos num certo respeito erudito, mas convidativo, davam encanto às coisas: uma chama. Revestia-se de um mistério áureo tudo o que falavam durante todos os dias. Cada palavra descalculada pelos instintos do viver: tinham vergonha não, era espetáculo. Maravilhava-me: interesse. Amava mais. A vida deveria ser muito bela mesmo. Pois então precisava descobrir a custo qualquer – conhecer conhecendo e conhecer desconhecendo.


Voltava para casa todo possuído num vendaval. Precisava de mais. Contava tudo para Mãe e Pai, porém depois de tempos eles não compreendiam. Falava comigo mesmo, me mudava de complexo. E então o teto do meu quarto me respondia. Criava as asas que tanto sonhara. Para tudo eu sorria – ou pelo menos era capaz de sorrir, se me esforçava. Hoje amo muita coisa, os olhos brilham, sei tão pouco! Nunca parei: um certo ensinar passava a me rondar, outro aprender agora trilhava meus próximos destinos...”



Gabriel Linares, 2020.


Revisão: Cedric Antunes

Imagem da capa: Segunda Chamada

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