O texto de hoje foi enviado para a Gazeta Vargas por nosso membro Miguel Guethi enquanto ele prestava nosso Processo Seletivo, e trata-se de uma crítica incomum, que volta-se não somente para os agentes da política, mas bem como a sociedade civil que atua como oposição.
Depois de 1 ano e 3 meses de governo Bolsonaro, tem-se muito para acreditar que estamos vivendo em uma alucinação coletiva. Pedidos na rua pela volta do AI-5, negação por parte do Presidente e de seus apoiadores das necessidades profiláticas de uma nova doença, ministros do governo que beiram o ridículo com seus atos e falas, e muito mais. Em síntese, estamos vendo o circo pegar fogo, enquanto o comediante central e seus lacaios atiram bananas contra todos nós. Cabe agora, ainda anestesiados, entender nossos erros, que, decerto, não foram poucos.
Nesse sentido, identifico como um dos principais, a comunicação. O Partido dos Trabalhadores errou feio, mas culpar só ele seria inocência, ignorância ou desonestidade. Olhar para os erros do setor progressista de maneira sóbria e identificar seus atores faz parte do caminho para acordarmos desse pesadelo. É necessário saber que esse cenário não aconteceu pelo acaso, mas é a penitência pelos erros cometidos.
Assim, direciono essa crítica, principalmente, à sociedade civil que faz oposição ao atual governo Bolsonarista. Essa que é uma oposição feita com excesso de soberba, hipocrisia e a demonização. Para além disso, cabe pontuar, como diz a música Ladrão (2019), do rapper Djonga, que “o vento que venta aqui, também venta lá”. Analogicamente, trato da mesma cegueira que venta pro lado de lá, dos conservadores e que os aliena, também venta aqui e nos faz refém.
A soberba foi um dos principais problemas nas eleições em 2018 por parte dos cidadãos como um todo, sem deixar de fora os movimentos estudantis e políticos. Ao tentar dialogar com alguém e com o povo, ter uma relação horizontal, sem pretensão de superioridade é fundamental. Isto é, quando se trata alguém como inferior, não só o que ela diz não é considerado, mas também será perceptível por ela essa soberba que é completamente contraproducente ao diálogo.
Uma das vertentes da soberba é o deboche e a ridicularização. A internet é o maior palco disso, em comentários e posts direcionados aos “minions”. Foi esse o palco responsável por colocar Bolsonaro na Presidência. Seus eleitores, já não muito simpatizantes do debate, tornaram-se piada aos seus opositores. Essa “estratégia” serve apenas um fim, diminuir o diálogo. Isso porque desgasta a relação e expõe a falta de vontade de conversa sóbria e argumentativa.
A hipocrisia, por sua vez, invalida não quem está ouvindo, mas quem está “pregando”. Uma de suas principais formas, identificada pelos conservadores na conduta reformadora, foi a de pontos machistas, classistas e racistas em seu discurso ou ações. Assim, independente da conduta preconceituosa do presidente, cria-se uma justificativa para o “cancelamento”, como algo fundamentado e que, para esses seguidores, é o bastante para invalidar o resto do discurso.
Por último, para limitar ainda mais a possibilidade de comunicação, a demonização dos eleitores de Bolsonaro, que foi criada por parte da oposição civil. Para essa parcela, os eleitores do Bolsonaro são monstros e culpados pelas desgraças que ocorrem. Não é incomum ver posts na internet destinando ódio e culpando essas pessoas comuns pelas desgraças que ocorrem. Para os que enxergam assim, todos aqueles que votam nele concordam com tudo o que ele faz, diz e prega. São preenchidas de ódio no coração, irredutíveis, completamente preconceituosas, para não usar o termo “fascista”, que se fez tão presente na eleição.
Isso por sua vez é prejudicial para o contato entre essas opiniões divergentes. Primeiro pelo lado de quem está julgando o outro como monstro, uma vez que isso a faz desistir do debate. Já pelo lado de quem foi taxado, há uma frustração de quem é uma pessoa razoável, mas é culpado de um ódio desproporcional à ela. Um “cidadão de bem”, que se vê atacado pela oposição sendo chamado de fascista e outros nomes.
Essas 3 características juntas - soberba, hipocrisia e demonização - tornaram o cenário ainda mais favorável para um político com aversão aos princípios democráticos, principalmente em relação aos do debate, pluralismo de ideias e coexistência de diferenças. Para os simpatizantes de Bolsonaro, a “esquerda” se tornou a intolerante, a hipócrita e que não aceita conversas, mesmo que os argumentos deles sejam adeptos do absurdo.
Em um país onde a democracia sofre tantos ataques, o setor progressista não pode cometer esses equívocos. O diálogo tem que ser não só exercitado, mas uma busca constante. Não podemos ser vistos como intolerantes, não podemos colocar mais obstáculos em um campo em que eles já são milhares. Não somos melhores que nossos opositores, pois deixamos a situação chegar a esse ponto. Não podemos nos dizer da “vanguarda” e sermos racistas, misóginos ou classistas. Não podemos crer que a pessoa que corta nosso cabelo, que encontramos nas festas de família, que nossos amigos e quem está à nossa volta são monstros. Se eles forem, toda esperança está perdida. Precisamos perceber que a cegueira que venta aqui, também venta lá, também venta lá.
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