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OCCIDENTE



Certa vez na velha de tão velha Oropa, três tupinambás foram prosear com um tal de Filósofo Montaigne:

escute branco para nós é muito estranho esses homens de grande estatura barbados e armados obedecendo uma pequena criança que vocês chamam de filho do rei mas ainda é mais estranho ver que entre vocês há gente bem alimentada gozando da vida e gente emagrecida esfaimados miseráveis mendigando nas portas dos outros é extraordinário que vocês suportem tanta injustiça sem se revoltarem e incendiarem a casa dos demais sobre nossa origem temos muito o que dizer somos boas pessoas amistosas com a vida conosco e com a mata somos muitos mais de cinco mil aquilo que vocês chamam de tradição para nós exige no máximo respeito

e terminaram seu caso.

A barbárie começou quando o pensador pensou, pensou e pouco pensou e pensouroubou as ideias vindas do mundo do além-mundo: glorioso Filósofo, um dos primeiros ocidentais a criticar o Ocidente!

Seus escritos repercutiram o mundo e os demais velhacos de mesma estirpe, de Shakespeare e Descartes até Rousseau e Marx, devem um pouco a esse intrigante ensaio.

Os tupinambás morreram de morte esquecida e as contradições que apontaram viveram mais que o próprio

clepto

filósofo.

Devemos pensar o quê devemos ao Pensar.

Nem mesmo olhamos para outros povos com a generosidade que tintilam seus olhares.

É claro, é claro, nos cega a cegueira, em parte, ocidental.

Difícil questionar o Ocidente.

Difícil sobreviver ao Ocidente.

Difícil garantir o próprio Direito Ocidental.

Luchar a luta

pelo fim da exploração,

da

matança

e da usurpação da terra.

Abrir mão do que temos de antiocidentais é,

fatalmente,

repetir velhacos do Continente com o sorriso antigos primeiro-mundistas e,

desgraçadamente,

terminar reflexões como fez Montaigne, com o patetaverniz da civilização:

Tudo isso é, em verdade, interessante, mas,

que diabo,

essa gente não usa calças!


Autoria: Arthur D'Antas

Revisão: André Rhinow & Laura Freitas

Imagem de capa: página de Les Essais de Montaigne no acervo da Bibliothèque Nationale de France

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