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PARA QUEM SERVE SEU CONHECIMENTO?

Você acha que a linguagem pode se tornar um mecanismo de opressão? Por que a escolha de palavras difíceis é tão aplaudida? O que é mais nobre: comunicar-se em linguagem acadêmica ou buscar fazer da comunicação um meio de inclusão? Venha entender um pouco mais no texto de hoje, escrito pela nossa redatora Ingrid Bonfim!
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Esta reflexão se deu a partir do episódio “A Coroa do Imperador”, da minissérie Cidade dos Homens, produzida pela Rede Globo e pela 02 Filmes e exibida de 2002 a 2005 em rede nacional. A obra tem como pano de fundo os morros cariocas, é protagonizada por dois amigos pretos e favelados - Laranjinha e Acerola - e narra o cotidiano da dupla bem como suas estratégias para driblar a violência.


No episódio em questão, a cena responsável pelo meu estalo mental, que se desdobrou neste texto, aconteceu na sala de aula de uma escola pública: Acerola, a fim de garantir o passeio da sua turma ao museu de Petrópolis, se propõe a explicar o conteúdo sobre as guerras napoleônicas e a consequente vinda da família real para o Brasil. Para isso, o personagem adapta o discurso historiográfico à sua vivência no morro, fazendo uma analogia entre as conquistas de Napoleão e a guerra do tráfico. O que convém pensar é que a forma como ele se expressa - a escolha de palavras, a utilização de gírias, o dialeto das vielas – foi responsável por dividir dois mundos: o das narrativas contadas na sala de aula e o das guerras percebidas na vida real.


Para além das telas, a linguagem é a expressão de parte da nossa individualidade, muitas vezes traduz nosso berço (origem, criação e práticas cotidianas), consumo cultural (o que assistimos, lemos e ouvimos) e trajetória. Mas por que registros diferentes - culto e coloquial - não se encontram no mesmo lugar na hierarquia simbólica da sociedade e da academia?


A resposta pode ser elucidada a partir do que afirma Marcos Bagno: “É que a linguagem, de todos os instrumentos de controle e coerção social, talvez seja o mais complexo e sutil. E tudo isso é ainda mais perverso porque a língua é parte constitutiva da identidade individual e social de cada ser humano — em boa medida, nós somos a língua que falamos”. Desse modo, a tradição de valorizar uma linguagem difícil e excludente perpassa a dominação simbólica e representa um dedo da elite cultural que lhe aponta e diz: se enquadre ou saia.


Nesse sentido, a ideia de que falar e escrever bem significa, necessariamente, falar difícil e usar palavras incompreensíveis está impregnada na sociedade e anula as diversas variações da língua. Não à toa, o preconceito linguístico é uma nuance do preconceito social e opera de modo a excluir quem está à margem da norma culta da língua.


A academia, por sua vez, reforça a noção de que o correto e o que traz mais prestígio é falar “de cima de um palco” - com a arrogância de quem não sabe dialogar fora do ambiente universitário. A grande questão é que, sem os pés no chão, o debate se restringe à academia e as produções se tornam inacessíveis, a sofisticação se sobrepõe a clareza e o conhecimento permanece nos braços da mesma elite que dita as regras.



REFERÊNCIAS



Foto da capa: Diego Catto

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