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PARA TODOS OS AMIGOS QUE JÁ TIVE


(Músicas para leitura: 

Nothing Has Changed – The Polar Boys ou

Turned Out Just Fine – Post-Modern Connection)


“UNLESS someone like you cares a whole awful lot,

nothing is going to get better. It's not.” – Dr. Seuss


“Quem é o seu melhor amigo?” Eu acho que todo mundo já ouviu isso em algum ponto de sua vida, afinal é uma daquelas perguntas padrões de quebra-gelo para qualquer situação levemente constrangedora. Daí a pessoa aproveita e pergunta como vocês se conheceram e não sei mais o quê. Mas sabe que eu nunca gostei muito dessa pergunta? Desde que era pequeno sempre odiei responder e ter que escolher um dos meus amigos para ser O Melhor. Os outros não importam também não? Do jeito que eu me descrevo parece que tinha amigos a torto e a direito quando era pequeno (mentira), mas essa não é a razão pela qual eu não gosto da pergunta. A minha linha de raciocínio é simples: como assim “melhor”?


As amizades são, fundamentalmente, amor. Aliás, são uma das formas mais puras de amor, aquele que é forjado a partir de conversas aparentemente mundanas e que aos poucos te consome, até que você se vê completamente atrelado àquela pessoa. Quando eu penso nesse dizer, “melhor amigo”, eu penso que isso seria um amigo que te ama melhor ou um amigo que te ama mais. Vamos pensar um pouco nas implicações disso: eu não acho que é possível amar melhor do que alguém, todas as formas de amor são válidas e nem todo mundo sabe amar da mesma forma (essa é a graça da coisa, por sinal). Somos seres complexos e multifacetados, amor não é algo que se qualifica, é algo que se conquista e então, se cuida. Mas então sobre amar mais? Isso é possível? Claro que é! Mas aí está mais uma beleza da vida e das relações humanas: você sempre será amado mais do que imagina. Nunca saberemos, realmente, o quanto outra pessoa nos ama de verdade. Às vezes, é mais claro que alguém nos ama muito ou pouco, mas o nível verdadeiro é capaz que nem a própria pessoa que lhe ama saiba ao certo. Poético, não? Uma tragédia e uma graça ao mesmo tempo... Fazer o quê? Ser humano é assim. Simples e complexo em uma cartada só.


Mas então eu cheguei à conclusão que não dá pra se ter um melhor amigo, pelo menos não nesses termos. Tem gente que inventa todo tipo de métrica mais específica, como que melhores amigos são aqueles que você pode ligar às 3h da manhã e dizer “tô mal” e essa pessoa vai te atender, mas eu também sou indeciso e nem pensar em métrica específica eu consigo. Decidi então que seria mais fácil não ter um melhor amigo, e digo mais: acho que essa é a melhor escolha.


Como eu disse, gosto de pensar na humanidade como um mosaico maravilhosamente brilhante. Cada pedaço de um vitral feito com uma precisão milimétrica, e pelas mãos de um artesão tão afável que deu a cada pedaço algo de especial e diferente. As pessoas são esses pedaços de vitral, que você coleciona com o tempo. No começo talvez seja mais solitário, você provavelmente tinha um só que você guardava à sete chaves. Não deixava nem que olhassem muito, vai que estragava. Depois você foi aprendendo a apreciar o amarelo, o vermelho, os tons de roxo e de verde e percebendo que tem um mundo de pedaços de vitral tão interessantes e únicos que você queria conhecer tantos quanto pudesse.


À medida que você os encontrava, os colocava em sua bolsinha. Às vezes, a bolsinha ficava pequena demais para tantos pedaços, e você deixava alguns pelo caminho, com um grande (ou pequeno, vai que, né?) aperto no coração. Às vezes, alguns pedaços se quebravam, por culpa sua, por culpa do vento. Às vezes você via algo que te encantava muito, mas se esquecia de colocar em sua bolsinha mágica. Eu amo metáforas, como os mais ávidos leitores devem ter percebido.


O mais doido de tudo isso é que você pode até ser encantado pelos pedaços, mas são eles quem te colecionam verdadeiramente. Coisinhas serelepes esses pedaços. Somos atraídos uns pelos outros pelo que causamos nos outros, pela forma que nossa individualidade ressoa dentro das outras pessoas e as faz brilhar por dentro com alegria, curiosidade e amor.


Às vezes, o pedaço corta. Ele dói, e faz doer. Pessoas são assim, e não tem o que fazer. Mas eu odeio não ter espaço para eles na minha bolsinha. Não é justo, sabe? Ela é só um pedaço...Quem sabe um dia suas pontas serão arredondadas e ele vai esfriar do calor que a criou. Nessas horas, eu queria colocá-los em minha bolsinha de novo, mas então será que os encontrarei?


Ok, ok, chega de metáfora abstrata e artística. Amizades são coisas muito especiais para mim, assim como para todos nós. Eu consigo associar cada amizade que já tive com um período da minha vida e te dizer como e por que ela me ajudou a ser alguém melhor, um pedaço mais bem polido. Amigos são irmãos e irmãs que a vida nos dá, independente da nossa família de sangue. É um amor espiritual e que transcende barreiras genéticas convencionais, mas nos leva a fazer loucuras por eles assim como se tivéssemos nascidos e sido criados juntos.


Tive amigos que me ajudaram a passar por momentos especialmente difíceis, outros que compartilharam momentos em que eu me sentia o rei do mundo. Mas, independente de tudo, eles sempre estiveram lá. Às vezes me perguntava se eu estava sendo um bom amigo de volta, sempre tentei ao máximo. Por isso, esse texto vai para vocês: para todos os amigos que eu já tive (e um dia terei).


Houve momentos em que eu me sentia como um test-drive para as pessoas, primeiro passavam por mim para depois embarcar em aventuras muito mais emocionantes, o que é um pouco deprimente se você parar para pensar. Acho que muitos se sentem assim cotidianamente, mas no fim do dia, os amigos vão estar lá. As inseguranças mais fortes surgem a partir do pensamento de que alguém te ama por algo que existe dentro de você, e não por algo que é provocado dentro da outra pessoa. Acreditar nisso sempre foi perigoso, mas o importante a se lembrar é que não precisamos mudar quem nós somos para agradar os outros, afinal o problema nunca foi conosco. Algum dia, você então encontra aqueles que verdadeiramente são impactados por você, e são por esses que tudo vale a pena. 


Tive que passar por muitos perrengues quando se trata de amizades, pessoas que não respeitaram bem os meus limites e minhas necessidades e isso sempre dói, em todo o lugar: para mim e para a outra pessoa. Tive de colocar pontos finais em coisas que não queria, quis consertar situações que não dependiam do meu esforço para serem resolvidas, então tive que ir. Afinal, como dizia Beth Carvalho e o Zeca: "Não pense que o meu coração é de papel. Não brinque com o meu interior. [...]"(1). Mas terão aqueles que valerão a pena. Aqueles que só te olham e dizem: "Nossa, eu senti saudades de você, Kiko". E então, tudo está melhor do que parece (2).


Nunca soube se a forma como demonstro minha gratidão para os outros é clara o suficiente, o que eu também acho irônico, já que gestos grandiosos de amor são minha maior especialidade. Ao mesmo tempo, o que fazer para mostrar a essas pessoas que me fizeram quem eu sou hoje o quanto as amo? Aquelas que compõem a minha personalidade, com seus trejeitos embutidos nos meus próprios? Aquelas que estavam lá quando eu precisava (e que me deram uma dura quando eu precisava também)? Minha maior vontade na vida é me sentir especial para alguém. Quando penso nos meus amigos, eu me sinto especial.


Apesar de não saber, acho que um espaço na Gazeta dedicado exclusivamente a essas pessoas deve ser o bastante para que a minha mensagem seja transmitida. Espero que todos os meus amigos de hoje em dia leiam esse texto. E para todos que já foram meus amigos, mas a vida nos reservou planos diferentes: se a culpa foi minha, eu peço desculpas, e se foi sua, eu te perdoo, mas se não foi de ninguém, c’est la vie. Mesmo assim ainda espero que leia este texto. E para quem ainda um dia será meu amigo, mas ainda não o sabe, também espero que leia esse texto e veja o que lhe aguarda. Sim, textos longuíssimos e infinitas declamações sobre o carinho que tenho pela nossa amizade (uma cláusula meio indiscutível no nosso contrato de amizade).


Bom, já demos boas voltas, mas então qual é? Quem é o meu melhor amigo? Ainda não acredito que possa responder essa pergunta com a devida veracidade e seriedade necessária. Sou uma pessoa indecisa, mas eu sei por onde começar. Meu melhor amigo não tem nome, aliás, ele não tem um nome. Pois sabia que, se juntar todos os meus pedaços na forma correta, no tempo certo, com o carinho e cuidado de sempre, eles formam...um coração? Daqueles que pulsam velozes e pujantes. Daqueles que são frágeis, mas fortes quando necessário. Daqueles que são humanos. Tá aí, essa é a minha resposta. Eu prometi que as metáforas abstratas tinham acabado, mas aprenda que nunca se pode confiar em um escritor, a gente adora dar reviravoltas bem no final do texto.


Para todos os amigos que já tive, tenho e um dia, terei: Obrigado, meus amigos, por terem me feito. E podem ficar tranquilos, porque se me perguntarem “Quem é o seu melhor amigo?”, eu irei apenas direcioná-los a esse texto e desejar boa sorte para entender o que eu acabei de dizer. Quem sabe eles me entendem? Mas eu duvido, afinal, ainda não somos amigos.




“A menos que alguém como você se importe de montão, nada vai melhorar. Não vai não.”

 – Dr. Seuss




Nota do Autor: Como eu geralmente sou o fotógrafo oficial da turma, não foi difícil achar pelo menos uma foto de cada um de vocês. Tentei incluir o máximo de gente possível no post, mas caso você não se veja, pode me cobrar que eu faço um pt.2 e corrijo isso!


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Autoria: Enrico Romariz Recco

Revisão: André Rhinow e Laura Freitas

Imagem da capa: Acervo pessoal


  1. "Camarão Que Dorme A Onda Leva" – Beth Carvalho & Zeca Pagodinho (1988)

  2. "Melhor Do Que Parece" – O Terno (2016)

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