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POR QUE É CONTROVERSA A PRISÃO DE DANIEL SILVEIRA?



Foi muito noticiada a recente prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada, na terça-feira passada (16), pelo Ministro Alexandre de Moraes do STF (Supremo Tribunal Federal). Diversos atores políticos louvaram a decisão, comemorando o que seria então uma resposta institucional firme e coesa contra os ataques abertos às instituições democráticas do país - em especial à suprema corte.


O deputado Silveira fora condenado por conta da divulgação de um vídeo na internet em que faz ataques pessoais aos ministros do STF, defende a destituição dos mesmos ministros, exalta o AI-5 e a ditadura militar e instiga o conflito entre as forças armadas e a corte. Em sua decisão, referendada em plenário, o ministro Alexandre de Moraes argumentou que tal conduta configura crimes tipificados pela Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/73), que, ironicamente, foi criada pela ditadura militar. Moraes citou os seguintes crimes incluídos na norma:


  • Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito

  • Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados

  • Art. 22 - Fazer, em público, propaganda: I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; IV - de qualquer dos crimes previstos nesta lei

  • Art. 23 - Incitar: I - à subversão da ordem política ou social; II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

  • Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação

No entanto, pode-se dizer que a decisão é controversa por duas questões: a constituição da postagem de um vídeo como crime flagrante e a instauração do inquérito de ofício. A questão da imunidade parlamentar, por sua vez, não é aplicável ao caso já que, por mais que segundo o artigo 53 da Constituição Federal afirmar que deputados e senadores “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, já existe um entendimento firmado pelo próprio STF de que essa imunidade não é absoluta e as palavras protegidas devem estar relacionadas ao exercício da função parlamentar. Nesse sentido, não se pode sustentar que conspirar contra a democracia e as suas instituições e fazer ataques pessoais a ministros da suprema corte sejam da prerrogativa de um deputado.


Nesse mesmo artigo constitucional está previsto que os “membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante crime inafiançável”, o que nos leva para a seguinte questão: a permanência da disponibilidade do vídeo na internet configura a continuidade da conduta criminosa, como considerou Moraes na sentença? Foi questionada essa afirmativa sob a premissa de que a postagem de um vídeo ocorre em um instante, não podendo ser caracterizada a atitude criminosa como “em curso” pelo simples fato de se encontrar disponível na internet e, dessa forma, sendo improcedente a possibilidade de se julgar o flagrante.


Quanto à segunda questão, é necessário um pouco mais de contextualização. A prisão foi decretada dentro do “Inquérito das Fake News”, que foi instaurado de ofício pelo ministro Alexandre de Moraes, sem a provocação do Ministério Público (como tipicamente ocorre no processo penal acusatório). Tal inquérito foi muito criticado por concentrar no STF as posições de juiz, vítima e acusador em um mesmo julgamento, o que pode ser considerado uma violação dos princípios da imparcialidade e do devido processo legal. A própria a possibilidade de abertura de um inquérito de ofício pela corte é contestada por boa parte da doutrina como uma concentração de poderes (de acusação e de jurisdição) que viola o sistema acusatório do regime democrático de direito. Não obstante, segundo o Regimento Interno do STF, no artigo 43 prevê-se: “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”. Assim sendo, a abertura do inquérito de ofício pode violar não somente a Constituição como a própria regra que disciplina a abertura - uma vez que a propagação de fake news não ocorre nas dependências do tribunal, mas sim no meio virtual.


Dessa forma, a controversa decisão do STF pode ter o efeito contrário ao pretendido. Ao ser dotada de tamanha insegurança jurídica e abrir precedentes duvidosos, a resolução pode contribuir para a fragilização da imagem da corte; a martirização do réu e o fortalecimento de oposicionistas ao regime democrático de direito, além de sinalizar um desvio autoritário da corte. Finalizo destacando a importância de se combater com firmeza crimes como os cometidos por Daniel Silveira, sob um posicionamento institucional firme e coeso com a ordem constitucional e, portanto, em conformidade com o sistema acusatório penal e o devido processo legal.



Revisão: Cedric Antunes e Letícia Fagundes

Imagem da capa: Hugo Barreto/Metrópoles

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