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PRAZER, EU SOU...



Acho que finalmente entendi o motivo dos primeiros dias de aula me apavorarem tanto. Acima de qualquer medo de gente nova e do ambiente desconhecido, vem a certeza das dinâmicas de interação. Sempre me estremeço ao pensar em me apresentar. Sem mais delongas, prazer!


Por definição, a biologia diz que sou matéria viva. Cadeia de carbono. Já a sociologia diz que sou produto das conjunturas político-sociais que me cercam. Nunca entendi muito de química, mas minha professora diria que sou um amontoado de átomos que interagem entre si. A escola definitivamente não me ensinou quem sou eu. Talvez essa seja a maior indagação humana. Sou ou não sou? Eis a questão.


Quando nasci, falavam que eu seria a cara do meu pai. Por muito tempo, temi crescer e me assemelhar a um homem quarenta anos mais velho que eu. Suplicava por um rosto próprio em todas as oportunidades. Os céus e os mares cansaram de ouvir minhas preces por ser alguém. Acho que o português me entenderia: o problema não é o verbo “ser”, mas sim o pronome “quem”.


Mais criança, começaram a dizer que eu era “expressiva”. Os amigos dos meus pais, que não tinham filtro algum, diziam que eu era dramática. Sentia muito. Cada discussão na escola doía. Quase como um joelho ralado no intervalo. Sentia muito e, portanto, chorava, mas as lágrimas logo me limpavam a dor. Não diria dramática, talvez cênica. Machuca saber que perceberam meu teatro. Teria sido uma bela peça. Queria ser menos sensível.


Cresci um pouco mais e reclamaram do meu corpo. Meu peso. Meu cabelo. As espinhas. Os pelos. Nada agradava. Nem aos outros, nem a mim mesma. Foi então que começaram as (auto) críticas. Cada movimento era motivo de desgosto. Não alimentava mais um torso que não me contemplava. Queria ser bonita.


Começaram os vestibulares e disseram que não seria aprovada. Eu estudava. Passava horas em frente ao computador. Não era o suficiente. O conteúdo passou a ser tão banal frente ao caos que minha vida tinha se disposto que era impossível absorver qualquer coisa. Eu sabia que não ia passar. Queria ser inteligente.


Assim que entrei na faculdade, me exigiram um namorado. Sei que a esse ponto, sou a última romântica que o amor não foi capaz de dominar. Talvez, na verdade, eu não me deixe ser dominada. Tenho medo. Medo do coração palpitando. Do suor nas mãos. Das pupilas dilatadas. Medo de ser rejeitada e não ser suficiente. Queria ser apaixonante.


De fato, o português me compreende. Por me prender a um pretérito imperfeito, fiquei sem entender meu eu no presente. Ainda não sei quem sou. Por enquanto, sei que sou produto das conjunturas político-sociais para os sociólogos; matéria viva composta por cadeias de carbono para biólogos e um conjunto de átomos para os químicos. Para os linguistas, prazer, verbo em transição.


Autoria: Ana Luisa Issy

Revisão: João Colleoni e Beatriz Nassar

Imagem de capa: Girl At The Mirror by Norman Rockwell


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