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PRECISAMOS FALAR SOBRE POBREZA MENSTRUAL



Um processo mensal raro entre os animais que ocorre com apenas algumas espécies de mamíferos como com alguns morcegos e também na família hominídeos, como macacos rhesus, chimpanzés, orangotangos e humanos. Estamos falando da menstruação. Ela faz sua visita mensal durante 3 a 8 dias e nada mais é do que a descamação do endométrio sendo excretada pela vagina quando não há óvulo fecundado. É um momento, usualmente, incômodo e estressante para quem passa pelo processo, dada a necessidade de cuidado dobrado na região íntima, o medo de manchar a roupa ou algum assento, o cheiro que, por vezes, fica evidente ou a preocupação constante em não esquecer o absorvente quando se sai de casa. Essa rotina de cuidados com a vagina e de uso do absorvente íntimo acabou se tornando mais um dos privilégios nos patamares da desigualdade brasileira, sendo essas mulheres aquelas afetadas pela pobreza menstrual.


Pobreza menstrual é a situação em que pessoas menstruantes não possuem acesso a itens básicos ou locais limpos para higiene durante o ciclo. Essa é uma questão de saúde pública ainda pouco discutida, mas que possui impactos negativos diretos no bem-estar feminino, na medida em que mulheres são mais sensíveis ao tema da higiene por razões biológicas do sexo: “O órgão genital feminino possui uma microbiota em constante equilíbrio e, assim, demanda uma higiene correta para a prevenção de infecções.” (ASSAD, Beatriz, 2021). Nesse sentido, quem acaba sendo mais afetado são os grupos marginalizados, como moradores de rua, refugiados, presos em cárcere privado e habitantes de campos rurais.

Quais são os principais problemas e o que deve ser feito tanto no Brasil como internacionalmente para garantirmos dignidade para essas mulheres?


Quanto custa menstruar no Brasil?


Uma pessoa que menstrua gasta, em média, de 8 a 12 mil reais em absorventes ao longo de sua vida, o que para alguém em situação de vulnerabilidade financeira, ganhando em torno de 2 salários mínimos mensalmente, totalizam “quatro anos de trabalho para custear todos os absorventes que serão utilizados em sua vida”.


Se já não bastasse o “investimento” com a aquisição dos produtos, o absorvente íntimo ainda possui tributações altas em comparação a outros produtos de higiene. Mesmo com a alíquota zero no Imposto sobre Produtos Industrializados, os absorventes possuem uma tributação média de 34,48% — considerando a alíquota entre 18% e 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de 1,65% do Programas de Integração Social (PIS) e de 7,6% da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) —, de acordo com o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo.


Então é só distribuirmos os absorventes? O problema é mais complexo. Não somente não temos no Brasil uma política de distribuição gratuita de absorventes, como há um déficit de estrutura para a higiene básica das mulheres em suas moradias. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos indicam que 15 milhões de brasileiras não têm água tratada em casa, 26,9 milhões de mulheres não possuem coleta de esgoto e 1,6 milhão estão sem banheiro.


As barreiras no acesso a saneamento básico, banheiros, água e produtos de higiene íntima apenas prejudicam a saúde das pessoas menstruantes. O livro Presas que Menstruam, de Nina Queiroz, retrata a realidade de muitas mulheres, homens transsexuais e pessoas não-binárias que recorrem a métodos alternativos para sua higiene menstrual, como papéis, jornais, trapos, sacolas plásticas, meias, miolos de pão ou reutilização de absorventes descartáveis.

O uso de artigos incomuns para higiene prejudica a saúde íntima da mulher, tendo em vista que a genitália feminina é sensível e precisa de cuidado. Assim, uma série de problemas de saúde podem ser causados pela precariedade no acesso aos absorventes, como infecções, vulvovaginite e câncer de colo de útero.





Imagem: Pinterest


Evasão Escolar


Por ocorrer precocemente na vida das meninas, a menstruação começa a acompanhar as estudantes por volta do 6º ao 9º ano nas escolas. Ou seja, os efeitos da pobreza menstrual começam cedo, o que leva meninas a faltarem às aulas e até mesmo a deixarem seus estudos de lado.


É o que acontece em uma uma escola em Camaçari, Bahia. Em entrevista ao jornal Diário do ABC, a diretora Edicleia Pereira relatou que organizou uma planilha a fim de entender o motivo das faltas recorrentes de seus alunos. No primeiro momento, pensou que estavam relacionadas ao trabalho infantil, mas depois de organizar os dados observou um padrão: meninas faltando ao longo de dias consecutivos pelo menos uma vez ao mês. Logo, outra funcionária da escola sugeriu que o problema fosse atrelado à menstruação. A diretora e outras funcionárias passaram a comprar absorventes e distribuí-los às meninas, referindo-se a eles como “presentes”, e nunca indicando que estavam oferecendo ajuda, aponta Edicleia. A mesma comenta sua indignação ao ver meninas de 10, 11 anos faltando em média 1 semana ao mês e até mesmo cancelando suas matrículas por não conseguirem acompanhar o conteúdo passado nas salas de aula.


Não é apenas a escola de Camaçari que não possui um ambiente preparado para receber essas meninas. No Brasil, da média de 7,5 milhões de meninas que menstruam e vão à escola, mais de 213 mil relata que os banheiros não estão em condição de ser utilizado, além de que uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuirem absorvente, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg.


Demonstrando as fragilidades desse ambiente, a escola não se torna um lugar receptivo que atenda as necessidades devidas dessas meninas. A longo prazo, essas consequências físicas e psicológicas podem se tornar um obstáculo para as meninas que almejam uma carreira de trabalho se qualificarem, à medida que isso as afasta da possibilidade de competição no mercado. Nesse sentido, a pobreza menstrual engloba uma parte dos muitos fatores que pode aumentar a lacuna entre gêneros e corroborar com as estruturas patriarcais.



Do que você tem nojo?

Se você menstrua, já ocorreu de estar na escola e levar o absorvente de maneira tão clandestina como se fosse uma droga proibida em 10 países diferentes, ou parar subitamente de comentar com a amiga sobre estar menstruada quando algum menino chegava na roda de conversa. Aposto também que sua mãe já pode ter te explicado sobre a menstruação, mas dificilmente trataria desse assunto com um filho homem, ao passo que os pais evitam falar do assunto com as próprias filhas. Os cochichos, o segredo, até mesmo expressões como “naqueles dias” para anunciar que está menstruada, mas não usar a palavra de fato… acaba por inflar um tabu já grande, à medida que preferimos viver em um limbo de desinformações do que lidar com problemas reais: “Os adultos têm o poder de desmistificar a menstruação às crianças, mas o que ainda vemos são atitudes que alimentam o clima de segredo e vergonha, uma simples repetição do que lhes foi passado na sua própria infância.” explica Letícia Gonzales, jornalista especializada em saúde feminina.


Maria Inês, 50, vivia em uma área rural localizada em São Joaquim, Minas Gerais, até os 16 anos, quando se mudou para São Paulo. Ela conta que naquela época não havia absorventes e que as mulheres costumavam usar grandes saias pretas a fim de esconder o sangue que era limpado com a própria saia. Quando via as mulheres utilizando longas saias pretas, já sabia que estavam “naqueles dias” e alega que qualquer comentário relacionado a isso era considerado ofensivo. Para Kamily Santiago, 15, a pior parte é o constrangimento. Já ocorreu algumas vezes de o sangramento vazar em sua roupa em locais públicos: “Eu sinto como se estivesse invadindo o espaço de alguém”, conta. A mídia também teve um grande papel na propagação desse tabu ao tratar em comerciais a menstruação como “defeito de natureza” ou “motivo de acidentes” em marcas de absorventes antigos, além da tradicional representação do “sangue azul” em comerciais de marcas como intimus ou carefree.



Imagem: Pinterest



É algo natural e que acontece de forma quase generalizada, mas por que continua sendo um assunto a se tratar às escondidas? A resposta para essa pergunta é a desinformação. Um estudo feito pela Unilever em 2018 com dados coletados em cinco países mostra como ainda há muitos mitos acerca do período menstrual e da saúde reprodutiva feminina. Na Índia, 70,9% das meninas não entendiam o que estava acontecendo quando ocorreu a menarca (primeira menstruação), no Reino Unido, 94% dos garotos entrevistados não sabiam a respeito do assunto, enquanto na Colômbia, 45% das garotas não sabem de onde vem o sangue menstrual, e 20% o consideram sujo.


O caso brasileiro é alarmante e mais grave do que a média global. O primeiro indicador dessa problemática é que não existem dados oficiais sobre a pobreza menstrual no país. Em segundo, os dados comparados pela marca Sempre Livre revelam que 75% das brasileiras consideram o período menstrual “nojento” e que quase metade das entrevistadas preferem não sair de casa.

Em sua coluna para o site Uol, o Dr. Drauzio Varella ressalta que há pouca discussão em torno dos constantes problemas que mulheres enfrentam durante o ciclo menstrual, como cólicas menstruais fortes, endometriose (que afeta uma em cada 16 mulheres) e síndrome do ovário policístico (que afeta uma em cada 10 mulheres). Drauzio culpabiliza a falta de informação e o tabu em torno do assunto, que prejudicam diretamente essas pessoas.


Onde estamos e para onde queremos ir


Não há melhor jeito de reduzir estigmas e desinformação do que tratando-os de forma simples e direta em escolas de todo o Brasil com a educação sexual e reprodutiva. O debate é o primeiro passo para romper o silêncio sobre o problema e passar à construção de soluções. Não só as pessoas menstruantes, mas também aqueles que não são, precisam entender o processo do ciclo menstrual, tratá-lo com naturalidade, sem preconceito e, acima de tudo, estar conscientes das questões sociais que o acompanham.


No quesito econômico, o Convênio ICMS 224/17, de 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) autoriza que os estados façam concessões de isenção do ICMS aos produtos essenciais que compõem a cesta básica para "favorecer o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. Entretanto, o absorvente ainda não é considerado um item de primeira necessidade por todos os estados brasileiros, não tendo sido incluído na política do CONFAZ.


Nesse sentido, grupos a favor da igualdade de gênero, como o movimento Girl Up, tiveram sucesso ao encabeçar projetos de leis que tratam o absorvente como um produto básico, fazendo-os vigorar em esfera estadual. O Rio de Janeiro foi o estado pioneiro para acabar com essa desigualdade ao incluir os absorventes em cestas básicas, após pressões de grupos e organizações feministas como o Girl Up no ano de 2020. Depois do Rio de Janeiro, outros estados brasileiros passaram a entender a relevância da garantia de condições básicas à higiene íntima feminina e propuseram a diminuição dos impostos, como no Ceará, onde foi isento o ICMS sobre absorventes íntimos, coletores e discos menstruais. Além disso, o Maranhão reduziu em 12% a tributação do ICMS para os mesmos produtos.


Paralelamente à desigualdade discutida, a deputada Tabata Amaral propôs o projeto de lei 428/2020, que dispunha sobre a distribuição de absorventes em espaços públicos. Isso gerou um questionamento em torno dos gastos do Estado com essa medida, havendo grandes manifestações dos internautas, em sua maioria homens que desaprovavam a proposta.


A nível internacional há também engajamento. Países como Índia e Alemanha baixaram as taxas sobre o produto de higiene, além de Quênia, o primeiro país a suprimir a tributação sobre produtos de higiene menstrual: "questões fiscais oferecem uma grande oportunidade de trazer para linha de frente o problema de como efetivar os direitos humanos". Em comparação com esses países e outros, o Brasil continua tendo as maiores tributações sobre o produto feminino.


É importante ressaltar a inovação de algumas marcas de absorventes que passaram a abordar sobre o tabu da menstruação em propagandas e outros meios de publicidade. Vemos a quebra de sigilo entre amigas íntimas sobre o assunto, analisando a participação de personagens masculinos, e até mesmo o interrompimento da ficção do “sangue azul”, ao representarem o sangue com sua cor vermelha.


Nesse sentido, tanto o âmbito público quanto o âmbito privado reconhecem que o debate acerca da menstruação, antes trancado a sete chaves, agora é um espaço para todos conhecerem e se informarem a respeito.




Redação: Amanda Rocha

Revisão: Artur Santilli e Bruna Ballestero



Bibliografia:


VARELLA, Dráuzio. Menstruação. UOL, 27 de Maio de 2021. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/menstruacao-artigo/>. Acesso em 20 de Maio de 2022


Relatório Livre Para Menstruar, Girl Up. Disponível em: https://livreparamenstruar.org/. Acesso em 15 de Maio de 2022


Distribuição de absorventes faz cair Evasão Escolar. Diário do Grande ABC, 9 de outubro de 2019. Disponível em: <https://www.dgabc.com.br/Noticia/3781644/distribuicao-de-absorventes-faz-cair-evasao-escolar>. Acesso em 22 de Maio de 2022


MARASCIULO, Marília. Pobreza Menstrual: entenda os impactos sociais e ambientais do sangramento. Galileu, 7 de Outubro de 2021. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2021/05/pobreza-menstrual-entenda-os-impactos-sociais-e-ambientais-do-sangramento.html>. Acesso em 20 de maio de 2022


DE SOUSA, Tainã. "Tampon tax": a tributação do absorvente feminino no Brasil e a pobreza menstrual. Migalhas. 20 de Outubro de 2021 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/353388/a-tributacao-do-absorvente-feminino-no-brasil-e-a-pobreza-menstrual. Acesso em 20 de maio de 2022


CASEFF, Gabriela. Uma em cada quatro adolescentes brasileiras não têm acesso a absorvente. Folha de São Paulo, 17 de Março de 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2021/03/uma-em-cada-quatro-adolescentes-brasileiras-nao-tem-acesso-a-absorventes.shtml. Acesso em 20 de Maio de 2022


LEI Nº 8.924 DE 02 DE JULHO DE 2020. Disponível em:


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