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PRECISO TE FALAR



Não existe saudade boa. Condeno todos os musicistas de bossa nova, todos os romances de época, tudo que fantasia de belo esse sentimento trágico. 



Nessa noite quente de verão, me deito no chão frio do meu quarto. De olhos fechados sinto você do meu lado. Minha cabeça se perde nos paralelos. Aquele sorriso tão gentil e o peso que tinha sobre mim. Os braços que me abraçavam, me seguravam, me disparavam. A doçura da sua voz e suas palavras amargas. Tão única, tão distintiva, e ainda assim tudo ao meu redor me lembra de você. Seria sempre assim? 



Às vezes penso na sua pele ensolarada, molhada de mar. Quando me permito, vejo cada gota que escorria os cachos do seu cabelo e caía sobre minhas bochechas. Lembrar de você é lembrar de quem eu era. Te entreguei mais de mim do que eu sabia que existia. Peguei cada pedacinho seu e o pintei de dourado. Decorei as páginas dos livros que você gostava. Levei flores para sua mãe e reguei-as. Usei verde para combinar com seus olhos. 



Seria disso que eu gostaria de lembrar, dessas coisas simples. Como beijar os pingos de sorvete dos cantos da sua boca e acabar fazendo uma bagunça em suas bochechas. Das músicas de que eu não lembro mais o nome, das danças e dos rodopios fracassados. Do seu cheiro nas minhas roupas, das nossas risadas silenciosas, dos toques e dos arrepios. 



Mas, com grande amor, vem grande dor. Tão grande que às vezes encobre todo o resto. 



O que restou de mim almeja pelo que foi embora. Seguro cada palavra dura e talvez verdadeira. Cada palavra que revela, machuca, magoa. Suas e minhas. Embora eu não seja inocente, tampouco sou indiferente. Minha única certeza sempre foi você. Pouco importa.

Concluo que não vale nada me enraivar de você, pensar que estou fazendo justiça a um outro eu que não existe mais. A saudade sempre foi maior do que o rancor.




Autoria: Nina Neves

Revisão: André Rhinow

Imagem de capa: Pinterest


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