Vivo num constante preocupo-me.
Preocupo-me com o fato de que quero cortar o cabelo
Uso o mesmo corte faz tempo demais e tenho sido
atormentada por pensamentos de que pareço muito sem graça,
muito genérica, muito do mesmo.
Preocupo-me com a minha franja estar longa demais e
preocupo-me com o tamanho das minhas orelhas quando coloco
a franja em questão atrás delas
Preocupo-me com a minha postura e com as roupas
que uso e com o quão escuras andam minhas olheiras.
Preocupo-me com o meu peso e com a quantidade de
comida que como em um dia
E preocupo-me com o fato de que todas as minhas amigas
são mais bonitas que eu, sempre, sem exceção, todas as vezes
Mais bonitas e mais magras e mais interessantes e
mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais.
Logo eu, sempre demais, sempre em excesso
Encontro-me muito pouco, pequena demais para meu corpo
Deixando espaço vazio e tecido cicatricial onde
deveriam crescer flores, estrelas e todas essas
outras coisas que garotas bonitas levam
no peito.
Preocupo-me com a hipótese de dizer tantas vezes
ao meu namorado que não me sinto bonita
que um dia ele vá concordar e parar
de tirar todas aquelas fotos minhas que ele tira
quando a gente sai para jantar
Preocupo-me porque acredito naquela coisa toda
de que palavra tem poder
e porque aterrorizar-me com meus próprios
pensamentos faz parte do meu dia a dia.
E é tudo tão difícil o tempo todo
e sinto-me tão superficial por ser tão
“preocupo-me” por coisas tão supérfluas
mas nada parece supérfluo e é tudo tão
difícil o tempo todo.
Preocupo-me com a indefinível
infinita lista de coisas que sempre tenho a fazer
Preocupo-me com o quão fácil é exaurir-me
para evitar-me, exaustão como válvula de escape
de mim mesma.
Preocupo-me com esse meu estado fantasmagórico
Físico e mental —
E preocupo-me, ainda,
com o quão idiota isso tudo vai soar
Quando eu me sentir um pouco melhor, em um dia
ou dois, uma hora ou duas, quinze minutos ou vinte
E meu cabelo for só cabelo
E as minhas orelhas forem só orelhas
E tudo for só supérfluo.
Autoria: Anna Cecília Serrano
Revisão: Artur Santilli e André Rhinow
Imagem de capa: The Studio Mirror, por Charles Martin Hardie, c. 1916, óleo sobre tela
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