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PRETO NO BRANCO


“Sem música, a vida seria um engano” – Friedrich Nietzsche


A Gazeta Vargas me pediu uma crônica sobre um objeto que tenho no meu quarto, e eu só consigo pensar em uma coisa que merece ser a estrela dessa minha narração. Ela é, acima de tudo, clara e direta, como o preto no branco.


Branco. Preto. Branco, preto, branco, preto, branco, preto. Para três brancos, dois pretos. Depois, é branco, preto, branco, preto e branco, branco.


É assim que o piano no meu quarto me encara – sempre frio, de cara amarrada, quieto, na dele. E eu, encaro de volta, desconfiada. Mas ele é gente fina e sempre me dá bons conselhos, como quem já viveu demais, como quem sabe demais… quem é forte demais. Suas teclas gritam por mim quando eu sinto que minha voz me foi tirada. Outras vezes, sussurram ao meu ouvido palavras que eu não sabia que poderiam ser ditas. Há ainda os momentos em que elas me fazem cantarolar por aí e esquecer o mundo lá fora.


Quando eu não tenho coragem para ser quem sou, fico em silêncio e o piano cai no esquecimento. Mas de mansinho ele arranja um jeito de me trazer de volta, porque, afinal, temos muita saudade envolvida, e muito sentimento e temos sempre alguma enrolação para contar.


O piano também me faz rir, porque ele apareceu em casa no dia do aniversário do meu pai, no ano passado, e desde então eu converso mais com o instrumento do que com o meu próprio pai. O piano observa as durezas da vida e sorri para mim no caminho de volta.


Eu acho que a gente tem que ser mais como o piano: tocar os outros e deixar que nos toquem de volta. Ouvir, e dizer coisas lindas em resposta para marcá-los com o nosso som, sem perder a objetividade do preto no branco. Mesmo que, pelo caminho, encontremos aqueles que não gostam de piano.


Revisão: Glendha Visani e Cedric Antunes

Imagem de capa: Reprodução Hinves Pianos

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