Uma amiga me disse certa vez que só sei escrever em prosa
Que poema não é meu estilo
Que, quando tento, parece que escrevi em prosa e separei em versos
Que deveria focar em escrever do jeito que eu sei.
Acho que é verdade.
Mas ela tinha essa mania, ela
De sempre me dizer que eu fazia as coisas pela metade
E que eu tentava demais
E que eu precisava me concentrar naquilo que já sei fazer
E não me meter no que era especialidade dela.
Tínhamos essa mania, nós
De passar todo o tempo livre uma com a outra
E de crescer juntas, eu e ela
Dividindo o lanche da cantina e dividindo a vida e dividindo tudo, mesmo prosa
Ela até chamava meu irmão mais novo de “irmãozinho”.
E ela também tinha essa mania, ela
De me dizer que as nossas outras amigas não iam muito com a minha cara
E que a minha presença incomodava um pouco
E que as minhas paranoias e preocupações não eram só coisa da minha cabeça
E que nada que eu fazia era suficiente, mesmo.
Foi bom que ela foi embora.
Não sei se eu teria ido se ela não fosse —
ela escrevia poemas para cada uma das minhas prosas
Cantava comigo todas as minhas músicas
E dizia que ainda me amava, mesmo que eu só soubesse escrever texto corrido
Mesmo que ela gostasse mais de poesia.
Eu tenho essa mania, eu
De cultivar jardim de ervas daninhas
De acreditar em paranoia
De me contentar com pouco.
Foi bom que ela foi embora.
Foi bom que eu não a deixei voltar.
Por pura teimosia, todas as minhas prosas separadas em versos são para ela.
Autoria: Anna Cecília Serrano
Revisão: Beatriz Nassar, Lucas Tacara e Luiza Parisi
Imagem de capa: Portraits à Grindelwald, Ernest Bieler
Comments