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PULAR PARA O FIM


Em algumas séries que vejo para passar o tempo, os casais protagonizam as cenas mais reconfortantes e eu tenho preguiça do resto do elenco. Foi com uma dessas, em uma madrugada vazia na qual eu só queria dormir, que decidi pular para o término do episódio e ver apenas a cena do meu casal preferido. Quando abri a aba da série na tarde seguinte, não tive vontade de ver os 49 minutos anteriores. Minha ansiedade pelo fim roubou o entretenimento do enredo.


Então, parei para pensar: quantas vezes eu não tive pressa de saber como a história acabava e corri o risco de perder as melhores partes dela? Quantos relacionamentos já não quis rotular perante a sociedade sem antes deixar crescer naturalmente o sentimento que tínhamos? Quantas vezes eu não implorei pela resposta só para não enfrentar o problema? Logo percebi que a pressa pelo encerramento vem acabando com minhas chances de começo. Como se boas histórias fizessem sentido apenas com um bom fim.


Talvez seja a busca atual por prazer momentâneo que me atinge até interromper qualquer forma de felicidade duradoura. Não que os percalços da caminhada sejam bacanas, mas é neles que aprendo, me fortaleço e encontro novos caminhos. Talvez os outros minutos da série me mostrassem conforto em outras personagens, mas já não tem mais graça ver. Na ânsia de concluir mais uma tarefa na minha to do list, eu nem tentei conhecer a obra completa.


Pulei a trama que me dava preguiça como se a vida fosse passatempo. Esqueci que cada segundo pode ser o fim do meu episódio e que o meu papel é tentar ver e desfrutar de cada um deles. Até porque o roteirista segue uma sequência de fatos que, se desconexa, pode me fazer perder a essência da obra, a essência do roteiro que definiu minha personagem. Como se eu não quisesse ver cada minuto dos episódios dessa vida para não perder tempo, enquanto ela é o relógio.


E eu, que carrego as horas no pulso, queria não ter a ansiedade me pedindo para ultrapassar. Ir mais rápido. Ter uma prévia do fim. Queria apreciar cada volta sem me preocupar com os outros ponteiros. Mas eu quero sempre ajustar a hora para não me perder em passatempos, como se amanhã eu não pudesse trocar tudo pelo que hoje é a parte mais insignificante do enredo.


O problema de não participar do meio da história é que se perde o contexto, eu nem percebo tudo que o roteirista pensou. Quando tenho pressa nos começos da vida, perco a parte que eu mesma ia roteirizar — ou não. Só não deixo que o desenrolar da trama decida por mim, eu escolho: dou a ele um fim.


Sem riscos de frustração, sem perder tempo com o que eu não planejei, sem chances de um entretenimento que não me dê uma satisfação momentânea. Eu vivo apenas um momento pelo qual tanto espero e esgoto a sua duração. O episódio acaba e a cena do casal nem tem tanta graça, a melhor parte era a trajetória que levou até ela — a parte que eu pulei. Afinal, pular diretamente para o fim é como pular o fim: ele perde o sentido. Igual a este texto, para você que pulou para o fim ao terminar de ler a primeira frase. E mais uma vez a ansiedade nos roubou o sentir.


Autoria: Ana Cristina R. Henrique

Revisão: Lucas Tacara e Anna Cecília Serrano

Imagem de capa: captura de tela de uma plataforma de streaming adaptada.

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