O contexto atual da política norte americana está centrada no processo de impeachment contra o presidente Donald Trump. Mas qual o motivo que levou a esse processo? Quais são as possíveis consequências disso? O nosso membro da área de gestão de projetos, Mateus Getlinger, responde essas dúvidas no texto de hoje!
Na última terça-feira 24, Nancy Pelosi, a presidente democrata da Câmara de Representantes dos EUA, anunciou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente dos EUA, Donald Trump. O processo tem base em um telefonema realizado em 25 de julho do mesmo ano com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no qual, de acordo com a transcrição apresentada, Trump pressionou Zelensky para que trabalhasse em conjunto com Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado pessoal de Trump, e William Barr, atual secretário de Justiça americano, para investigar a conduta de Hunter Biden enquanto exercia cargo no conselho da empresa de gás natural ucraniana, Burisma Holdings. Hunter é filho de Joe Biden, vice-presidente de Barack Obama e principal candidato democrata para as eleições presidenciais de 2020, com 31% das intenções de voto. Para intensificar a pressão, Trump teria congelado um repasse de US$ 400 milhões em ajuda militar para a Ucrânia, que já havia sido previamente aprovado pelo Congresso americano.
Trump alega que Joe Biden praticou abuso de poder enquanto exercia seu cargo, sugerindo que o vice-presidente pressionou autoridades ucranianas na época a largarem uma investigação criminal que poderia atingir seu filho, o que resultou na demissão do procurador ucraniano responsável pelo caso, Viktor Shokin. De acordo com relato do próprio Joe Biden, o vice-presidente teria congelado quase US$ 1 bilhão em auxílios, caso Shokin não fosse demitido, na época sob justificativa internacional, apoiada por outras potências ocidentais e pelo FMI, a respeito de sua inação sobre casos de corrupção dentro do país.
Toda essa situação está baseada no fato de que a diplomacia americana trabalhava ativamente naquele ano para afastar a Ucrânia da esfera de influência da Rússia e aproximá-la da União Europeia e dos EUA, tendo o gás natural e a matriz energética do país como pilar central na disputa.
Entretanto, ainda não foi apresentada nenhuma evidência sólida de que Hunter Biden tenha cometido qualquer infração. Além disso, o promotor ucraniano que substituiu Shokin, e que continuou as investigações sobre a Burisma, divulgou agora em setembro que não acreditava que Hunter fosse culpado.
Portanto, a acusação dos democratas é de que Trump praticou abuso de autoridade para incitar um líder estrangeiro, a fim de prejudicar significativamente seu principal adversário político interno e principal desafio à sua tentativa de reeleição em 2020.
A história como um todo é bastante complexa e com diversos atores envolvidos, mas uma coisa é certa: similar ao escândalo Trump-Rússia, a saga do impeachment de Trump está abrindo um novo capítulo na política americana.
É evidente que o processo traz um claro risco para a máquina de Trump e para o Partido Republicano como um todo, no sentido que pode representar a queda de um de seus líderes mais emblemáticos, comprometendo seriamente as prospecções do partido para as próximas eleições, mas os riscos também são especialmente altos para o próprio Partido Democrata.
Um processo de impeachment sempre é uma questão difícil em um país, uma vez que não envolve apenas questões ideológicas e partidárias, mas também questões de continuidade e estabilidade do poder. A queda de um presidente pode dividir um país, colocar o mesmo em recessão, impedir reformas e propostas por mudança de agenda, entre outras consequências. Por esse motivo, o impeachment é visto muitas vezes como o último recurso legal para a retirada de um governante.
O processo de impeachment pode provar ser extremamente desgastante e laborioso para o Partido Democrata, uma vez que as audiências na Câmara podem sair de seu controle e se arrastarem por meses, atingindo poucos resultados tangíveis, assim como observamos com o Mueller Report. Também não é estranho imaginar que congressistas republicanos irão causar o máximo de confusões e polêmicas em cima do caso, a fim de deslegitimar os esforços democratas. Dessa forma, essas audiências podem entrar numa espiral de complicações processuais, fazendo com que os congressistas democratas corram o risco de sair com uma imagem de ineficiência e inconclusão e, mais importante, de estarem obcecados com a destruição de Trump, garantindo uma perda de legitimidade no processo.
Dessa forma, correm o risco de ficarem marcados para o eleitor comum como um partido que está preso numa disputa partidária (ou como Trump coloca, “uma caça às bruxas”), ainda ressentido com o resultado eleitoral de 2016, e que, portanto, não está gastando esforços para questões mais urgentes como ampliar a infraestrutura do país ou garantir mais empregos. É o bom e velho argumento de estarem “impedindo o presidente de governar” que temos visto cada vez mais por aqui, mas que prova ser bastante efetivo para esse tipo de narrativa política.
Além disso, o impeachment já ameaça ser um processo falho desde seu início, uma vez que, mesmo que o processo seja aprovado na Câmara, de maioria democrata, o Partido Republicano detém 53 das 100 cadeiras no Senado americano, numa situação em que é necessário atingir maioria qualificada (⅔ do total da casa legislativa) para a aprovação. Porém, reduzindo a questão para um foco eleitoral, é possível que a estratégia democrata não seja, de fato, o impeachment do presidente Trump, mas uma condenação e denúncia de seu abuso de autoridade, minando o apoio ao governo e Partido Republicano como um todo, garantindo melhores condições nas eleições que estão por vir. Os democratas precisarão ser extremamente cautelosos e estratégicos em como conduzir essa investigação para que não saia de seu controle. Estamos vivendo um verdadeiro teste de stress da democracia americana.
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