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QUATRO MIL METROS ACIMA DO NÍVEL DO MAR



Meus avós e meus pais moram no Mato Grosso do Sul. Durante as férias escolares, todos voltamos para lá e passamos as festas de fim de ano juntos. Em janeiro de 2017, minha família decidiu que faríamos uma viagem de carro, partindo do MS, atravessando o chaco argentino e contornando a costa pacífica chilena.


A jornada foi arquitetada principalmente pelos meus tios, Farid e Lucy, cujo ofício da pesquisa em geologia trouxe à tona seus espíritos aventureiros. A proposta era que a família inteira participasse dessa viagem, entretanto, foram apenas meus tios, meus avós paternos, minhas primas, meus irmãos e eu. Meus pais estavam nervosos em lançar suas três crianças ao mundo, mas a presença dos meus tios e dos meus avós trazia-lhes a sensação de confiança.


No primeiro dia, fomos até o posto fronteiriço BR-ARG de Foz do Iguaçu (PR) e nos hospedamos em um hotel cassino argentino. Eu estava super animada, era minha primeira viagem internacional sem meus pais. No dia seguinte, começamos a jornada de atravessar o chaco argentino. Passávamos cerca de dez horas na estrada a cada dia, a paisagem era um mato constante , raramente encontrávamos outros veículos e as paradas em postos de gasolina da YPF eram raras. Parecia que só existia a gente no mundo.


Quando chegamos no Paso de Jama, era fim de dia e começo de uma noite longa. Pessoas que trabalhavam na área nos avisaram que a fronteira estava fechada e só abriria pela manhã do dia seguinte. Neste momento, percebemos que alguns carros e caminhões já formavam uma fila atrás da gente. Meus tios e avós discutiam sobre onde passaríamos a noite.


O Paso de Jama é um dos postos fronteiriços entre a Argentina e o Chile. Fomos até lá porque era o local mais próximo de San Pedro del Atacama, nosso próximo destino. A quatro mil metros acima do nível do mar, eu começava a passar mal. Fazia muito frio, e os ventos fortes e a sensação de falta de ar me faziam querer morrer.


Na época, eu tinha recém completado quatorze aninhos e não tinha condicionamento físico para isso (cinco anos depois e ainda não tenho). Lembro da sensação de o ar entrar pelas minhas narinas sem fazer o efeito que deveria, uma terrível dor de cabeça, um enjoo forte e uma tontura brava. Tudo isso me deu muito medo, nunca tinha me sentido tão mal. Nesta hora, eu só queria meus pais me dizendo que tudo ficaria bem, mas eles estavam longe e eu não tinha acesso à internet.


O tio Farid e a tia Lucy conseguiram um espaço para a família dormir, era uma casa humilde com três quartos, uma suíte, um banheiro, uma sala de jantar e uma cozinha. O lugar era lar de uma família da região que hospedava turistas em seus quartos — um Airbnb. O único ambiente com fechadura e chave era a suíte, onde meus avós e eu dormimos, junto com todos os itens pessoais e valiosos que tínhamos. Meus irmãos e meus primos se dividiram entre os outros quartos, o tio Farid passou a noite no carro.


No dia seguinte, pusemos o pé na estrada novamente e entramos em território chileno a caminho de San Pedro de Atacama. A partir daí, virou passeio. Passamos por Antofagasta e Valparaíso, depois por Santiago, a capital chilena. Lá, visitamos o famoso Mercado Central, onde almoçamos salmão, anéis de lula, mexilhões e camarão. Foi uma delícia. O último destino antes de retornarmos ao Brasil era Mendoza, cidade argentina famosa pelas suas vinícolas.


No total, foram duas inesquecíveis semanas de viagem. De todas as experiências que tenho acumuladas até meus presentes 19 anos, a viagem de carro Argentina-Chile é de longe a mais única. Penso assim pois, nesse curtíssimo período, vivenciei situações extremas. Amei usar meu "portunhol", experimentar as fabulosas culinárias chilena e argentina, passar horas e horas na estrada cantando as músicas da playlist da Min, minha prima, e conhecer vários hotéis e pousadas maravilhosos. Só não curti muito o mal-estar dos quatro mil metros acima do nível do mar, o dia que ficamos trancadas no quarto enquanto chovia granizo no deserto do Atacama, a vez que guardas argentinos nos multaram porque os carros não estavam com os faróis acesos e, claro, a briga feia sobre as saladas e as papas fritas numa parada aleatória.


Janeiro de 2017 foi muito especial. Devo isso à minha família, principalmente aos meus tios geólogos, que nos incentivaram a embarcar nessa aventura pela nossa querida América Latina. Espero fazer dessas viagens uma tradição. Sei que todos agora somos muito mais ocupados, com alguns trabalhando e outros na faculdade, mas todas as grandes experiências da minha vida contaram com a presença de vocês, família querida.


Autoria: Mônica Takehara


Revisão: Beatriz Nassar, Fernanda Abdo e Artur Santilli.


Imagem de capa: Mônica Takehara


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