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QUEBRAR AS REGRAS DO JOGO


Alguns meses atrás, em um sábado à noite, na falta do que fazer – ou na falta de vontade de fazer o que eu precisava –, enquanto procurava algo interessante pra assistir, me lembrei de uma série sobre a qual li muitos comentários (ou melhor, tweets) positivos e que despertou minha curiosidade, especialmente após ter assistido a um vídeo da crítica de cinema Isabela Boscov, que foi pouco modesta ao tecer elogios sobre a obra. A série em questão é A League of Their Own’, produção de 2022 que gira em torno de um time de beisebol feminino surgido na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. A série é adaptada do filme de mesmo nome, lançado em 1992 e, apesar de ser uma adaptação, explora temas mais atuais do que nunca, que apareceram de forma sutil e pouco aprofundada no filme.

A princípio, a série não me despertou grandes expectativas, já que eu não faço ideia de quais são as regras em uma partida de beisebol, nem costumo me interessar por narrativas que têm como pano de fundo o mundo dos esportes. No entanto, esse detalhe se tornou insignificante à medida que continuei assistindo, porque, aqui, o beisebol é só um detalhe diante das múltiplas camadas apresentadas na série.

A narrativa se inicia com o anúncio da criação de um time de beisebol composto por mulheres – as Rockford Peaches –, pensado, inicialmente, como uma distração conveniente diante do contexto da Segunda Guerra e seus impactos nos Estados Unidos, tendo em vista a alta frequência com que os homens – os únicos permitidos a jogar profissionalmente – estavam sendo convocados para servir em combate. A criação de um time feminino, nesse sentido, surgia como uma espécie de alívio cômico, uma pequena brecha em um mundo onde o olhar masculino ditava as regras em quase todos os espaços.


Reprodução / Amazon Prime Video
Reprodução / Amazon Prime Video

Para as mulheres que sonhavam com uma oportunidade como essa, a chance de finalmente poder praticar o esporte que amavam e no qual tinham habilidades excepcionais, uma vaga no time representava um momento quase sagrado em suas vidas, que haviam sido podadas pela estrutura que limitava mulheres a atividades domésticas e de cuidado, fruto das convenções sociais que até hoje vemos se manifestarem no Brasil e no mundo.

A trama acompanha, a princípio, duas personagens: Carson Shaw, uma mulher branca de classe média e casada que, à primeira vista, corresponde ao ideal que se tinha sobre como uma mulher deveria ser e agir; e Maxine Chapman, uma mulher negra que sonha em se tornar uma jogadora profissional. Essa diferença de pontos de vista nos apresenta a estrutura político-social que imperava no período: Carson entra no time, enquanto Maxine sequer é permitida a participar dos testes, mesmo possuindo muita qualidade técnica, além de enfrentar muito mais percalços para a realização de seus sonhos e objetivos pessoais.

No desenrolar da trama, essa estrutura se mostra ainda mais evidente: às mulheres era exigido jogar de saia e batom, além de terem de performar feminilidade e sensualidade o tempo inteiro nas partidas com o único e exclusivo objetivo de agradar à audiência masculina. As personagens têm que lidar, muitas vezes, com violências implícitas, relacionadas principalmente ao machismo e à homofobia, que tornavam o beisebol mais que uma performance esportiva, transformando-o em uma performance comportamental que visava manter os ideais que se tinham sobre o papel das mulheres na sociedade. Maxine, nesse sentido, enfrenta ainda mais dificuldades, já que sua cor foi motivo de exclusão em diversos momentos de sua trajetória enquanto mulher e enquanto aspirante a jogadora profissional.


Reprodução / Amazon Prime Video
Reprodução / Amazon Prime Video

Apesar das dificuldades enfrentadas, as Peaches criam entre si um laço afetivo muito forte que lhes permite, de forma menos explícita mas muito simbólica, enfrentar o discurso de que mulheres são frágeis, de que não possuem a mesma qualidade técnica que homens ou mesmo de que deveriam restringir seu objetivo de vida ao casamento e aos filhos. Isso é muito evidente na cena em que acompanhamos, por exemplo, o momento em que Carson questiona a própria sexualidade e descobre em suas companheiras um apoio nesse sentido. Maxine representa, na narrativa, o poder de resistir frente a cenários de opressão, já que constrói laços de amizade inestimáveis e, a partir da luta contra um sistema inteiro que subalterniza e violenta pessoas negras, escancara a desigualdade de oportunidades que persiste até os dias atuais.

Apesar do cancelamento (que curiosamente ocorre com mais frequência em obras que se propõem a contar a história de grupos historicamente marginalizados, mas isso fica pra outra conversa), e de retratar um momento histórico específico, a série remonta um cenário do qual temos resquícios até hoje e apresenta as ferramentas de luta que foram utilizadas lá atrás, quando pautas como a interseccionalidade de discriminações sequer eram trazidas ao debate público.

A série nos mostra, ora de forma cômica, ora de forma trágica – mas sempre com uma fotografia impecável –, a importância da unidade e da coletividade de grupos minoritários frente a cenários nos quais se insiste em ditar o lugar que devem ocupar. Mais do que nos contar a história de pessoas que resistiram e enfrentaram um período histórico em que elas não eram vistas como sujeitos protagonistas da própria história, A League of their Own nos ensina sobre criar laços e encontrar a própria comunidade – além de levar a vida com muito bom humor.


Autoria: Larissa Maria

Revisão: Giovana Rodrigues, Ana Carolina Clauss

Imagem de capa: Reprodução / Amazon Prime Video

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