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SOB(RE) CONTROLE



"Esse é o meu maior medo: que se eu perdesse o controle, ou não tivesse controle, as coisas seriam...você sabe, eu seria fatal”.


Essa é a primeira frase do álbum Ctrl, projeto de estreia da artista norte-americana SZA com as gravadoras Top Dawg Entertainment e RCA Records. Solana Imani Rowe nasceu em 8 de novembro de 1990 em St. Louis, Missouri, e foi criada por uma família afro-americana conservadora sob a religião do islamismo-ortodoxo. A cantora de sucessos como Consideration, em parceria com Rihanna, alega que o controle esteve presente em sua existência desde o nascimento. Segundo ela, o título da obra — "controle" em inglês —, não simboliza apenas um nome, mas sim um conceito que permeia todas as facetas de sua vida, seja através de pais tradicionalistas, um ex-namorado abusivo e sua própria ansiedade, seja pela sociedade racista que deprecia e invalida as experiências das mulheres pretas.


Há quem brinque que SZA é sigla para "sozinha", mas esse não é o verdadeiro significado do pseudônimo da artista, o qual é uma união da inicial de seu nome de nascimento (Solana) com o pseudônimo do rapper RZA. Não surpreende, contudo, que os ouvintes de Ctrl relacionem quem o compôs com o sentimento de solidão. O disco, que obteve cinco nomeações ao Grammy e um certificado de platina triplo desde que foi lançado em 2017, tem como um de seus principais temas o abandono e a dificuldade que a cantora, como mulher preta, enfrenta para estabelecer-se em um relacionamento amoroso saudável. Nele, SZA descreve de forma romântica e em ritmo sensual como é nunca ter se sentido amada de verdade, dada a idealização de seu corpo como símbolo de sexualidade e vulgaridade.


Supermodel, primeira faixa do álbum, narra a história de uma mulher que, após ter sido abandonada pelo parceiro no dia dos namorados, trai-o com o melhor amigo dele como vingança. Na canção, SZA alega que o amado escolheu deixá-la por mulheres mais bonitas, o que a faz questionar sua aparência e sua autossuficiência dentro e fora de um relacionamento. A cantora também discute assuntos similares em Drew Barrymore, canção que leva o nome da atriz do filme Nunca Fui Beijada, em que Solana cogita a possibilidade de não ser atraente ou feminina o suficiente como a causa de sua solidão constante. "Me desculpe por não ser mais atraente. Me desculpe por não ser mais feminina. Me desculpe por não depilar minhas pernas à noite" é uma das frases marcantes da música e ilustra a comparação que a compositora estabelece entre si mesma e a atual de seu ex, uma mulher branca, que representa a perfeição aos seus olhos.


Outra faixa que põe a complexidade do amor sob perspectiva racial é Love Galore, parceria da cantora com o rapper Travis Scott. Nela, SZA discorre sobre como a liberação sexual da mulher afro-descendente resulta na sexualização de seu corpo, o que inviabiliza que ela seja reconhecida como mais que uma amante pelo parceiro. “Por que você me incomoda, quando sabe que já tem uma mulher?” é a pergunta feita por Solana a Travis. Em resposta, o rapper afirma que sua atração à cantora depende única e exclusivamente de seus atributos físicos. Por meio desse e de outros versos pertencentes a músicas como Normal Girl, em que a artista deseja ser o tipo de garota que o namorado apresentaria à mãe, SZA salienta sua melancolia e frustração através de batidas suaves que conferem uma pegada soul ao álbum, reforçando o abandono e a solidão por trás da sexualização de corpos femininos e pretos.


Ainda que alguns críticos identifiquem seu som como R&B, SZA diz que não gostaria de ser reduzida a um gênero específico e que deseja ter autonomia para produzir o tipo de música que quiser. Toda essa independência transcende a musicalidade e fica clara quando, além de retratar situações de sua vida amorosa nas quais sentiu-se fora de controle, ela usa sua liberdade criativa em Ctrl para abordar incertezas e medos a respeito de seu futuro, como o desafio de ingressar na vida adulta. Em 20 Something, última faixa da obra, ela volta a tratar de solidão, mas agora sob a perspectiva de alguém que ambiciona atingir objetivos pessoais por conta própria, e que está apavorado. “Esperando conservar o resto dos meus amigos, rezando para que meus 20 e poucos não me matem” é o pedido de socorro que compõe o refrão da trilha.


Apesar do relacionamento conturbado com a família na época da infância e da adolescência, a autora de Ctrl inclui trechos de conversas que teve com a mãe e a avó a respeito do significado da palavra “controle” em algumas faixas do disco. O tom aconselhador e pessoal das falas de ambas as senhoras agracia o álbum com a sabedoria de figuras maternas que sofreram uma porção considerável de preconceitos durante suas vidas, como no comentário da avó que encerra a faixa Love Galore: “Veja, Solana, se você não disser alguma coisa, falar por si mesma, eles te acharão estúpida. Você entende o que estou dizendo?”. Essa delicadeza é, sem dúvida, uma das preciosidades do álbum, pois verifica ao mesmo noções de reconhecimento, acolhimento e compreensão.


Ctrl é minha coletânea de músicas favorita desde que completei 17 anos, quando escrevi a primeira versão deste texto há quase três anos. Ela é uma obra-prima composta e vocalizada por uma mulher preta muçulmana-ortodoxa que valida as experiências de milhares de indivíduos com imensa sensibilidade e atemporalidade. A estética alternativa e etérea de suas 14 trilhas em sincronia com a sensualidade proporcionada pelas letras poderosas da artista clamam pela liberação sexual feminina e pela negritude. É impossível recomendá-lo suficientemente a garotas que se identificam com o perfil retratado nas músicas e a outros que certamente podem tirar lições valiosas delas. As palavras finais que compõem o álbum são, enfim, um último conselho da mãe à filha:


“Se isso tudo é uma ilusão, então não quero acordar. Eu vou aguentar. Porque a alternativa é um abismo, é apenas um buraco, uma escuridão, um nada. Quem quer isso? Você sabe? Isso é o que eu penso sobre controle, e essa é a minha história, e eu serei fiel a ela.”


NOTA: Este texto foi escrito em 2021, antes dos lançamentos da versão deluxe de Ctrl em junho de 2022, que contém mais sete faixas inéditas além das originais, e do segundo álbum de SZA, S.O.S., em dezembro do mesmo ano. Ambos foram aclamados pela crítica por tratar de temas parecidos aos do projeto de estreia da cantora sob uma perspectiva mais madura.


Autoria: Beatriz Nassar

Revisão: Luiza Parisi e Anna Cecília Serrano

Imagem de capa: Pinterest


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