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SOBRE QUEM OLHOU PRA SI

No texto de hoje, nossa redatora Ingrid Bonfim, mulher e negra, traz uma reflexão a respeito do processo da mulher negra em permitir-se florescer numa sociedade que a impede de expressar-se. A mulher negra como protagonista de sua própria luta, sem ser silenciada por nada nem ninguém. Venha ler mais!

Quem um dia roubou a voz dela também fez questão de lhe tapar os olhos. O véu da insegurança com o qual sempre esteve coberta demorou a se desmanchar – decerto foi rasgado, e pelas suas próprias mãos. Mas para finalmente rasgá-lo, foram necessárias uma dose de introspecção e duas de coragem. A quem me refiro, afinal? Bom, neste texto, proponho uma breve reflexão acerca da voz, ou falta dela, das descobertas e da autoestima de uma mulher negra.


Após perceber que não tinha voz – lê-se constantemente silenciada –, procurou entender os porquês e, para isso, bebeu. Bebeu conhecimento de Carolina de Jesus à Davis; ouviu e assistiu arte de gente preta. Foi quase como desengasgar e engatilhar todas as palavras não ditas. O problema é que não bastou. Assim, ela olhou ao seu redor e descobriu que faltava aprender coletivamente com quem corre ao lado e quer gritar na mesma frequência.


Os olhos, por sua vez, continuavam tapados, o que significava uma visão embaçada e traiçoeira sobre si mesma. Nesse sentido, para a personagem dessa narrativa, se encontrar enquanto mulher preta e afirmar sua identidade foi fundamental para a construção da sua autoestima, por consequência, somente enxergando a beleza e a força da própria imagem a visão ficou límpida. O fato é que o objeto que agora levava em uma das mãos não deve ser confundido: “Porque diferente de Narciso, Oxum usa o espelho para se ver, e enxergar além. Não é instrumento a serviço da vaidade, é arma de guerra”. As palavras são da cantora Luedji Luna¹, cirúrgica ao apontar o espelho como poder para mulheres pretas.


O paradoxo desta reflexão é que, depois de tanto aprender e com tanta coisa para falar, aplaudiram-na, mas deram um limite de palavras para que ela se expressasse. Dez palavras. E tinham preferências: metade poderia ser usada para contar histórias tristes e de superação para quem nunca passou pelo mesmo veneno; as cinco restantes seriam guardadas para o 20 de novembro, que é quando queriam escutar sobre racismo. Não, dessa vez eles não vão ter narrativas que massageiam ouvidos, ela utilizou as dez para conversar consigo mesma: “assim que me enxerguei, descobri que nunca quis ser outra”.




Foto de capa: Cida Santos


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