TARIFAÇO NO BRASIL: ENTRE O SAMBA E O BLUES
- Guilherme Neto
- 24 de jul.
- 16 min de leitura

Todo mundo viu, todo mundo tem uma opinião sobre, mas invariavelmente todo mundo está preocupado: Donald Trump anunciou que irá taxar todas as importações brasileiras em 50% [1].
A notícia caiu como uma bomba. As expectativas? Apocalípticas. “O Ibovespa vai ter circuit breaker!”, uns diziam, enquanto outros esbravejavam que o dólar bateria R$7,00, como se o mundo estivesse acabando. Outros, à moda schumpeteriana, proclamavam uma nova ordem política, e, se a direita acredita que a espada de Dâmocles está prestes a decapitar Lula, a base governista, mas em especial sua militância, enxerga as tarifas como a ressurgência do petista e um 2026 ganho para o Partido dos Trabalhadores.
Nada disso aconteceu até agora. Na verdade, no dia seguinte ao anúncio, a bolsa fechou com uma subida de pouco mais de 0,5% [2]. O dólar também não está valendo mais que ouro, apesar de sua tendência de alta e repouso na nada módica casa dos R$5,60 [3]. Os ventos estão longe de serem favoráveis, mas isso não significa que a economia brasileira foi morta do dia para noite. E, para a infelicidade de muita gente, seu respectivo nêmesis político não quebrou o país ou virou persona non grata em território nacional. Agora que o choque da notícia passou, duas perguntas sobram: de quem é a culpa e o que vai acontecer.
O bode na sala é a família Bolsonaro. Corre o risco de esse também ter sido o seu primeiro pensamento, graças ao histórico anseio para-diplomático do clã. No centro do escândalo está o filho 03 do ex-presidente, Eduardo. Logo em 2022, o deputado foi ao Catar (para ver a Copa) com um pen-drive de conteúdos desconhecidos sobre a “situação do Brasil”, o que leva a crer que ele tem um certo tino para representar o pai no exterior. Esse ano, Eduardo voltou suas atenções à América do Norte, apesar de malemá saber inglês [4]. No imediato pós-choque da carta de Trump, ele se vangloriou e assumiu a responsabilidade pelas supostas “sanções contra Alexandre de Moraes” que estariam se concretizando.
Aqui vem o primeiro mal-entendido, pois o consenso, por algum motivo, é de que essas tarifas são sobre o Bolsonaro. Na verdade, vou mais longe: é um disparate assumir que a taxação é fruto principalmente de qualquer elemento da política doméstica brasileira.
Um texto interessante para ilustrar como o brasileiro se vê nessa situação é a coluna do professor da FGV-Direito SP, Thiago Amparo, na Folha, cujo título particularmente esclarecedor é “A culpa do tarifaço de Trump ao Brasil é dos Bolsonaros”. O argumento consiste em apontar que o tarifaço é resultado de uma costura feita por Bolsonaro e seus familiares contra o judiciário brasileiro, culminando no convencimento do governo dos EUA quanto à necessidade de sancionar o Brasil [5]. Não é absurdo, mas acho que o professor deu mais agência e capacidade aos Bolsonaros do que eles realmente têm. Jornalistas, influenciadores e políticos do movimento bolsonarista aderem à estratégia de ir aos EUA para organizar uma resistência às ações do STF faz tempo, mas todo encontro com representante e senadores sempre some do radar como se nada tivesse acontecido. Se pelo menos algo foi de fato decidido, algum desses políticos deveria ter aparecido em algum lugar, correto? Afinal, conversas, documentos e jantares vazam, quase que em uma lei de ferro. Por que as articulações deles não vazaram? Raios, por que você anunciaria que está planejando a lesa-pátria e não divulgaria os desenvolvimentos?
Como se não bastasse, Trump nunca devolveu a admiração que recebe de Bolsonaro, apesar do alarde midiático quanto à proximidade dos dois. Em 2018, 2019 e 2020, os EUA taxaram e des-taxaram o aço brasileiro três vezes consecutivas, sendo que a tarifa final de 145% somente foi revogada em 2022, com o fim da pandemia e o governo de Joe Biden [6]. Quando Bolsonaro precisou intervir para alcançar um acordo em 2019, deixou a ligação e afirmou para a mídia que o presidente americano havia decidido retirar as tarifas — mas a Casa Branca literalmente não respondeu sobre o teor da conversa, e muito menos confirmou a rescisão imediata [7]. Dado o histórico recente de relações comerciais e políticas, o tarifaço dificilmente é devido às simpatias de Washington pelo ex-incumbente.
Um bolsonarista pode argumentar ainda que talvez não seja sobre a figura de Bolsonaro, e sim pela “flagrante” caça às bruxas sendo tocada contra a direita pela Suprema Corte. Afinal, a carta enviada por Trump em sua rede social, endereçada a Lula, diz que “a forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional”, concluindo, em caixa alta, que o processo contra ele deve ser interrompido “IMEDIATAMENTE!” [8]. Justo, mas por que agora? Pode existir mil e um argumentos contra a prisão de Bolsonaro e a atuação controversa do STF, mas algo que dificilmente se nega é que ele vai ser preso. Das delações a apreensões da Polícia Federal até o escaneamento dele da disputa presidencial pelos caciques partidários, tudo aponta para o inevitável. As últimas manifestações com o presidente foram esvaziadas, e falta ânimo para defender o presidente entre as massas [9]. Peço desculpas ao pessoal do Direito que está lendo esse texto, mas a legalidade de seja lá o que acontecer nos próximos dias é totalmente secundária, pois existe vontade política para fechar as cortinas de Bolsonaro faz tempo, e sua tentativa pífia de organizar um golpe foi a oportunidade perfeita.
Minha última crítica a essa perspectiva é que, se isso foi um plano pensado pelos bolsonaristas, faltou passar o memorando para todo mundo. Tirando alguns poucos deputados de baixo clero, a direita brasileira entrou em parafuso com as tarifas. Os estados que mais exportam para os EUA são aqueles do Sul e Sudeste, que concentram praticamente toda a produção de produtos com valor agregado no país, com São Paulo destinando 33% de sua produção para lá [10]. Já as grandes empresas brasileiras de produtos com alto valor agregado, como Embraer e Weg, têm como seus maiores parceiros empresas americanas [11][12]. Mas ao contrário do senso comum, e do argumento errôneo de que os Estados Unidos têm muito a perder sem o nosso agronegócio, o principal produto exportado para lá é petróleo bruto e produtos derivados, seguidos de metais e as duas categorias previamente mencionadas, aeronaves e máquinas [13]. Os governadores da região detestaram as boas-novas da família Bolsonaro de tal forma, que Eduardo precisou ir a público xingar Tarcísio de Freitas, necessitando de uma bronca nos bastidores para acalmar os ânimos com o chefe do executivo paulista [14]. Os setores produtivos e a parte da direita que não foi plenamente cooptada estão se movimentando coletivamente para salvar a bomba econômica que pode vir no 1 de agosto, e agora, é provável que os líderes do Centrão e da direita passem a ver com piores olhos as demandas do clã. Se nem no passado e nem agora eles garantiram boas relações com os EUA, quem dirá depois de 2026?
De forma geral, é preciso lembrar que correlação não implica causalidade. A diplomacia brasileira está pisando em ovos por inúmeros motivos, e um dos maiores deles não é o caso Bolsonaro. Sua complicação jurídica meramente está acontecendo em um momento particularmente conveniente que pode ser usado como verniz normativo pelos americanos para taxar o Brasil.
Então, a explicação deve estar, logicamente, depois do primeiro parágrafo da carta, não?
Após a ladainha sobre democracia e eleições livres (vamos pular o trecho sobre liberdade de expressão por enquanto), vem a parte onde Trump justifica a taxação na relação comercial desigual entre os países, argumentando que “esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional”. Primeiro, que déficit? Os EUA têm superávit comercial com o Brasil pelo menos desde 2015, de acordo com dados da AmCham [15]. Segundo, é verdade, vivemos em um país muito comercialmente fechado, que protege suas indústrias mesmo que elas não operem eficientemente. Porém, isso é mais um detrimento para nós do que para os estadunidenses, francamente. A indústria brasileira ficou para trás em termos de regulação e produtividade há muito tempo, apesar das enormes quantidades de subsídios que recebe anualmente [16]. Algumas poucas exceções, como as já citadas Embraer, Weg, além de companhias de amigos do rei, como a JBS e os agroexportadores, se salvam dessa regra. Da última vez que tentamos liberalizar a economia, um presidente caiu e o PC Farias morreu, então, é de se esperar que exista uma certa falta de vontade política para modernizar economicamente o país, mas os nossos problemas internos não justificam uma retaliação por um não-problema.
Só resta uma alternativa para explicar o porquê nós viramos alvo, mas, antes, quero brevemente falar sobre a reação do presidente Lula.
Há um tempo atrás, Lula falou que era da “geração que aprendeu com Reagan e Margaret Thatcher” sobre a importância do livre comércio [17]. Pessoalmente, fiquei embasbacado e sem saber se o comentário era um surto de lucidez ou de loucura. Teria o presidente sido alvo de uma projeção astral de FHC? Dado os recentes desenvolvimentos do Itamaraty e do Governo Federal, estou ainda mais confuso com as implicações daquela fala. Lula manteve o discurso de defesa da integração comercial, mas alterou o rumo no sentido de qual seria o jeito certo de buscar o livre comércio. Para tal, na segunda-feira, dia 14 de julho, o presidente assinou a regulamentação da Lei de Reciprocidade Econômica, que prevê estratégias para retaliação econômica em casos de políticas estrangeiras que interfiram em sua soberania nacional, violem acordos comerciais ou contrariem exigências ambientais [18]. As armas do governo? Taxar de volta os EUA.
Temos o cacife para tal ação corajosa? Evidentemente, não. Como dito anteriormente, nossa balança comercial com os Estados Unidos é negativa, e o principal produto que perderíamos acesso no caso do fechamento para o mercado americano seria combustível refinado. A economia doméstica também, dificilmente, seria capaz de suprir a demanda de combustível resultante devido a falta de tecnologia de refino de petróleo por parte da Petrobras. No curto prazo, isso significa o desabastecimento de gasolina. No longo prazo, o Brasil iria atrás de outros parceiros para refinar seu petróleo, a China e a Rússia. Isso resultaria em uma profecia autorrealizável problemática, pois uma das causas mais óbvias da taxação é que estamos nos aproximando do BRICS.
Esse ano, o Brasil assumiu a presidência do bloco, ao mesmo tempo em que Lula se via diante da necessidade de resgatar sua reputação na esquerda como liderança do terceiro mundo. O objetivo era criar um “mito fundador”, com Lula como representante de uma democracia dissidente no sul global, em direta oposição à tendência de Bolsonaro ao se alinhar automaticamente aos americanos. Em casa, Lula fez sua campanha na base da defesa da democracia e o combate direto ao movimento cultural autoritário liderado pelo seu rival. Nisso, o 8 de janeiro se transformou no Campo de Marte petista, um símbolo da truculência do inimigo [19]. Acontece que não colou, e o PT fez uma leitura errônea do que incentivou o eleitor a escolher o sindicalista ao capitão da reserva: a pandemia não foi ruim para a maior parte das pessoas pois causou um “genocídio”, foi porque sua vida piorou — e muito, frustrando todas as promessas de renovação de 2016 e da eleição do primeiro presidente após 13 anos do Partido dos Trabalhadores no poder. Bolsonaro pegou um país em recuperação com Temer e meramente perdeu o ritmo, não conduziu a Marcha a Roma.
Restava para a base governista assumir o papel de defensor do mais pobre e reviver a economia de bem-estar social nos primeiros anos de gestão que haviam garantido a Lula mais de 80% de aprovação. Para montar esse quebra-cabeça, porém, a equipe econômica teria que encaixar esse projeto necessariamente custoso em um cenário de desequilíbrio macroeconômico e base política instável. Por um lado, aumentar as receitas do governo poderia funcionar em teoria, mas a máquina pública está tão horrorosamente inchada que nem o recorde em arrecadação desse ano, com mais de R$1,2 trilhões sendo coletados em impostos, foi capaz de balancear o déficit orçamentário [20]. O fracasso nessa frente não somente corroeu a aprovação do governo na imagem popular, mas jogou o ônus em cima dos dois nomes mais importantes do PT nos últimos anos: o Presidente e o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, enquanto um dos membros da velha guarda petista e pragmático por formação, foi culpado pelas derrotas econômicas quando o Banco Central não podia ser mais usado como bode expiatório.
A saída poderia ser a diplomacia. Lula queria voltar à época onde Obama o saudava calorosamente com “Esse é o cara! Eu adoro esse cara!”. O resultado prático foi menos que o esperado. A trancos e barrancos, o Itamaraty tentou sair do ranking de mini-pária internacional vivido nos últimos anos para algo mais aceitável, mas isso foi difícil devido a falta completa de tato do chefe do executivo com as novas dinâmicas. A repercussão mais problemática foi, ironicamente, a dos gastos em viagens oficiais: foram mais de R$4,58 bilhões de reais em despesas com hospedagens e passagens somente nos dois primeiros anos de mandato [21]. A estrela do caso foi a esposa do Presidente, Janja, que recebeu o carinhoso apelido de “Esbanja” pela oposição. Foram danças na Índia depois das enchentes no Rio Grande do Sul, R$18 mil em diárias em Paris, e até uma ação da Justiça Federal para que o governo explicasse os gastos da primeira dama em viagens à Nova York, Roma e Rússia [22] [23] [24].
Na parte mais sóbria das coisas, o Brasil está de fato se aproximando do terceiro mundo. O país desistiu de manter a neutralidade quanto ao conflito em Gaza e até mesmo entre Israel e Irã, apoiando a moção da África do Sul que acusa Tel Aviv de genocídio [25]. A cúpula do BRICS, na cabeça dos diplomatas do governo, seria a chance perfeita de consolidar o país como um jogador importante nas relações internacionais, fazendo competir em uma categoria um pouco acima graças a sua posição de porta-voz dos países emergentes. Essa proposta, em termos mais ou menos francos, deu bem errado. Primeiro, é loucura achar que o BRICS é um fórum unificado do sul global frente o norte global, é quase como dizer que o Mercosul é um paralelo à OTAN: não faz sentido e, mesmo se fizesse institucionalmente, cada país membro tem interesses distintos e às vezes conflitantes. Segundo, o Brasil não está nem perto de ser a potência que lidera as atividades do bloco. Isso é, necessariamente, responsabilidade da China, que toca os investimentos em infraestrutura, os acordos multilaterais e o Novo Banco de Desenvolvimento, que não, não vai fazer uma moeda nova. No máximo, vai fazer empréstimos com demandas diferentes do FMI. E sim, a Dilma é, com o perdão da palavra, um aspone lá.
Por último, o problema fundamental é que o BRICS não era, e nunca deveria ser, um orientador de política externa. Nas palavras de Marcos Lisboa, “O BRICS é uma fantasia de relevância” [26]. Tomemos a Índia como exemplo, um grande parceiro comercial da China e grande peça geopolítica. Além de integrante chave do bloco, a Índia também é um grande parceiro comercial dos Estados Unidos e, paradoxalmente, um dos opositores mais relevantes da China no continente asiático. Nova Delhi também mantém relações frutíferas com a Rússia, apesar da Guerra da Ucrânia. Aos colegas de relações internacionais devem lembrar do professor Matias Spektor e seu artigo sobre hedging (termo familiar para aqueles do mercado financeiro) [27], a saudosa dança entre ser percebido como o Modi, sagaz e hábil negociador que ganhar um pouco de muitos, e entre perder o equilíbrio. Pessoalmente, acho que as taxações são prova de que Lula esbarrou no segundo caso.
Apesar de ter dito anteriormente que o BRICS não é uma força unificada anti norte-global, e nem foi projetado para ser, o Brasil apostou muito no investimento chinês no momento em que o gigante americano está não somente reorganizando à força toda a cadeia comercial global, mas constrangendo todos os seus parceiros comerciais. É um momento de cautela e negociações delicadas. Não de chutar a porta. Mas, a voadora, infelizmente, não veio diretamente de um órgão econômico, o que tornaria mais fácil e menos politicamente custoso reverter uma decisão errada. Os EUA estão preocupados com os interesses comerciais das Big Techs também, e o STF não exatamente.
Quando Alexandre de Moraes decretou que o X fosse retirado do ar em todo território nacional em 2024, ele evidentemente estava pouco se importando com uma futura sanção americana no ano seguinte. Aquilo foi um truco: Elon Musk obviamente não iria ceder, e muito menos tinha poder para fazer o ministro recuar. A intimação contra Musk não acertou nem o alvo direito, já que, além de não ter representante legal no Brasil à época, a CEO do X era Linda Yaccarino, e não ele[28]. No final da disputa, o X acabou cedendo e nomeou uma advogada para atuar como representação no país, além de pagar multas de R$28 milhões de reais para a justiça brasileira.
Não seria a primeira vez que a suprema corte bate de frente com as grandes empresas de tecnologia. O PL 2630, chamado por uns de “PL das Fake News” e por outros de “PL da Censura”, foi controverso justamente por que além de responsabilizar a plataforma previamente por todo o conteúdo publicado nelas, dava a Anatel um poder regulatório desconfortavelmente alto para essas companhias [29]. Os custos ou seriam muito altos, ou essa atuação seria logisticamente inviável do ponto de vista comercial. As razões para a Corte ter feito isso são discutíveis, e não vale a pena adentrar nelas, já que escritores melhores desse site já tentaram e conseguiram, mas é inegável que a ação feriu diretamente a atuação de empresas americanas internacionalmente.
Essa pode ser uma das razões complementares para termos sidos taxados, e existem paralelos para argumentar dessa maneira, tendo em vista que o Canadá enfrentou recentemente uma disputa parecida com os Estados Unidos. Mas eu ainda não consigo ser convencido de que, Nelson Rodrigues que me perdoe, nós não tínhamos a agência para impedir as taxas ou mudar o curso delas sozinhos. É algo maior que o Brasil. O tarifaço foi 20% BRICS, 20% Empresas de tecnologia, 60% a Doutrina Monroe.
É de uma certa arrogância achar que a bomba só não ia estourar na nossa cabeça. Estourou em toda a América do Norte, na Europa, na Ásia, e sobrou até para países que quase não existem nos noticiários internacionais. Trump assumiu a presidência com a proposta teimosa de proteger a indústria americana custe o que custar, e o resultado não poderia ser outro senão caos generalizado entre todos os países do mundo. O presidente americano adotou medidas tão erráticas que países minúsculos como Madagascar recebem mais de 40% de tarifas no famigerado liberation day [30]. O tiroteio é generalizado.
E o Governo Federal tenta, para piorar a situação, dobrar a aposta — ou finge dobrar, pelo menos. Agora, a estratégia de marketing do Planalto é usar memes sobre a soberania brasileira, pauta absolutamente inorgânica que resultou em, bom, nada. Como já mencionado anteriormente, Brasília não tem poder de fogo para retaliar, e o empresariado, junto com o vice-presidente, já se mobilizaram para negociar com os EUA [31]. Em contrapartida, a presidência descartou recentemente contramedidas e preferiu acompanhar a ideia de uma negociação entre os dois países [32]. Por algum motivo, Lula e o PT estão em um descompasso com a posição oficial da administração: o partido postou em suas redes sociais peças cobrando, acredite se quiser, a desdolarização do comércio brasileiro[33]. O discurso em rede nacional do presidente, que ataca as taxações, pelo menos faz sentido como uma demonstração de que a situação está “sob controle” para a opinião pública, já que um recuo agora não seria estratégico dado os louros políticos que ele colheu em sua popularidade após o tarifaço.
Em suma, o tarifaço é a tempestade perfeita de um deslize diplomático e uma força maior além do Brasil. Infelizmente, não há muito que se possa fazer nessas circunstâncias, e o máximo que o Governo Federal pode esperar alcançar é um impacto menos severo na economia nos próximos dias. Para o réu protegido na carta, seu suposto plano, novamente, não funcionou e a tornozeleira eletrônica é fatalmente mais notável que a mão invisível do mercado.
Odeio descrever a situação como tal, mas se existe um oposto da síndrome do vira-lata caramelo, estamos presenciando ela agora: achar que uma zeitgeist inteira possa ser mudada com algum espírito de resiliência de sul-global, ou que o Brasil, em um narcisismo inocente, é responsável pelas taxações devido a um processo contra um ex-presidente pouco competente. Em alguns dias, a folia vai mudar de tom e os diplomatas brasileiros deixarão as conversas com os americanos em um alívio melancólico, meio impotente. Resta mudar a melodia para um blues; pick up the pieces and go home.
Referências:
[1] Trump anuncia tarifa de 50% para Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/trump-anuncia-tarifa-de-50-para-brasil/>. Acesso em: 15 jul. 2025.
[2] Ibovespa (IBOV) - Histórico | InfoMoney. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/cotacoes/b3/indice/ibovespa/historico/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[3] Cotações e boletins. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/historicocotacoes>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[4] Opinião - Thiago Amparo: A culpa do tarifaço de Trump ao Brasil é dos Bolsonaros. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2025/07/a-culpa-do-tarifaco-de-trump-ao-brasil-e-dos-bolsonaros.shtml>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[5] Eduardo Bolsonaro sonha com embaixada, mas ainda engasga no inglês | Metrópoles. Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/eduardo-bolsonaro-sonha-com-embaixada-mas-ainda-engasga-no-ingles>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[6]BARROS, Paulo. Trump já tentou taxar aço e alumínio do Brasil no passado; veja histórico. InfoMoney, 10 fev. 2025. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/economia/trump-ja-tentou-taxar-aco-e-aluminio-do-brasil-no-passado-veja-historico/>. Acesso em: 16 jul. 2025
[7] Bolsonaro diz que Trump recuou em retomada de tarifa sobre o aço do Brasil. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/12/bolsonaro-diz-que-trump-recuou-em-retomada-de-tarifa-sobre-o-aco-do-brasil.shtml>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[8] Carta de Trump: leia íntegra do texto, que alega motivos políticos e comerciais para tarifa de 50% ao Brasil | Economia | G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/09/carta-de-trump-leia-integra-do-texto-que-alega-motivos-politicos-e-comerciais-para-tarifa-de-50percent-brasil.ghtml>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[9] Bolsonaro reúne 16,4 mil em ato, segundo Poder360; USP fala em 12,4 mil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ato-bolsonaro-paulista-estimativas-pessoas/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[10] FERRARI, Hamilton. São Paulo é o Estado que mais exporta para os EUA. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-economia/sao-paulo-e-o-estado-que-mais-exporta-para-os-eua/>. Acesso em: 16 jul. 2025.
[11] Os 10 maiores clientes da Embraer. Disponível em: <https://exame.com/negocios/os-10-maiores-clientes-da-embraer/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[12] ALVES, Osni. WEG (WEGE3) se torna a top 2 global em motores elétricos; como fica a ação? Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/wege3-se-torna-top-dois-global/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[13] Brazil (BRA) Exports, Imports, and Trade Partners. Disponível em: <https://oec.world/en/profile/country/bra>. Acesso em: 16 jul. 2025.
[14] “Servil às elites”: Eduardo Bolsonaro sobe o tom Tarcísio por diálogo com EUA sobre tarifaço. CartaCapital, 15 jul. 2025. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/servil-as-elites-eduardo-bolsonaro-sobe-o-tom-tarcisio-por-dialogo-com-eua-sobre-tarifaco/>. Acesso em: 20 jul. 2025
[15] Pesquisas e Estudos. Disponível em: <https://www.amcham.com.br/pesquisas-e-estudos>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[16] BENEVIDES, Gabriel. Subsídios da União somaram R$ 647 bilhões em 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-economia/subsidios-da-uniao-somaram-r-647-bilhoes-em-2023/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[17] Um aluno relapso | VEJA. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/alexandre-schwartsman/um-aluno-relapso/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[18] MERLI, Karina. Como Funciona a Lei da Reciprocidade Econômica, Assinada Nesta Semana. Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2025/07/como-funciona-a-lei-da-reciprocidade-assinada-nesta-semana/>. Acesso em: 17 jul. 2025.
[19] PAOLA, Maria Laura Giuliani, Naomi Matsui, Evellyn. Ato de Lula sobre 8 de Janeiro tem apenas 1.200 pessoas. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-governo/ato-de-lula-sobre-8-de-janeiro-tem-apenas-1-200-pessoas/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[20] Arrecadação recorde ajuda, mas não resolve o rombo fiscal do governo. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/arrecadacao-recorde-ajuda-mas-nao-resolve-o-rombo-fiscal-do-governo/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[21] Gastos do governo Lula com viagens oficiais superam os 4 anos de Bolsonaro | VEJA. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/radar/gastos-do-governo-lula-com-viagens-oficiais-superam-os-4-anos-de-bolsonaro/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[22] Depois de postar vídeo “quase dançando” em chegada à Índia, Janja exclui postagem nas redes sociais. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/depois-de-postar-video-quase-dancando-em-chegada-a-india-janja-exclui-postagem-nas-redes-sociais/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[23] MAIA, Evellyn Paola, Mateus. Viagem de Janja a Paris custou mais de R$ 18.000 em diárias. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-governo/viagem-de-janja-a-paris-custou-ao-menos-r-18-000-em-diarias/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[24] Justiça dá 20 dias para governo explicar gastos com viagens de Janja. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/justica-da-20-dias-para-governo-explicar-gastos-com-viagens-de-janja/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[25] Brasil vai aderir a processo que acusa Israel de genocídio em corte da ONU. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/brasil-vai-aderir-a-processo-que-acusa-israel-de-genocidio-em-corte-da-onu/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[26] Brics é uma fantasia sobre relevância, aponta Marcos Lisboa. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/brics-e-uma-fantasia-sobre-relevancia-aponta-marcos-lisboa/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[27] SPEKTOR, Matias. In Defense of the Fence Sitters. Foreign Affairs, v. 102, n. 3, 18 abr. 2023.
[28] X: Twitter começa a sair do ar no Brasil após decisão de Moraes. Disponível em: <https://www.nordinvestimentos.com.br/blog/twitter-vai-sair-do-ar-no-brasil/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[29] CAMPOS, Alexandre Freire, Ricardo. PL 2630: a Anatel como ente regulador de serviços digitais. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-anatel-como-ente-regulador-de-servicos-digitais>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[30] MATHEUS, Levi. Leia todas as tarifas anunciadas por Trump no “Dia da Libertação”. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-internacional/leia-todas-as-tarifas-anunciadas-por-trump-no-dia-da-libertacao/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[31] Lide sugere que processo de negociação sobre tarifas com EUA seja conduzido por Alckmin. Jornal de Brasília, [S.d.]. Disponível em: <https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/politica-e-poder/lide-sugere-que-processo-de-negociacao-sobre-tarifas-com-eua-seja-conduzido-por-alckmin/>. Acesso em: 20 jul. 2025
[32] Brasil descarta retaliação a tarifa dos EUA e aposta em via diplomática | Blogs. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/politica/brasil-descarta-retaliacao-a-tarifa-dos-eua-e-aposta-em-via-diplomatica/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
[33] Brasil descarta retaliação a tarifa dos EUA e aposta em via diplomática | Blogs. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/politica/brasil-descarta-retaliacao-a-tarifa-dos-eua-e-aposta-em-via-diplomatica/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
Autor: Guilherme Neto
Revisão: Giovana Rodrigues
Imagem de Capa: CNN Brasil







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