O texto de hoje foi enviado para a Gazeta Vargas por nossa membra Daniela Carlucci enquanto ela prestava nosso Processo Seletivo. Encante-se com os versos livres e as faíscas poéticas de "Travessia"!
Sol brilhava no espelho azul. Tentava penetrar com seus raios na água. Deixava suas marcas de batom vermelho em todos que estavam à sua volta. Imensidão azul. Todos compartilhavam desse Sol. Compartilhavam esse momento cada um de sua maneira. No vai e vem das ondas, cada um vivia do seu jeito. Água salgada. Movimento carinhoso das ondas. Calmaria de um dia bonito. Movimentos individualistas. Cada um tentava aproveitar da melhor maneira possível o Sol. Todos queriam seus beijos. Na imensidão azul, alguns mergulhavam no mar. Outros buscavam relaxar em suas cadeiras. Outros desfrutavam das melhores comidas que havia. Outros buscavam existir nas suas sintonias. Outros serviam. Serviam os que desfrutavam dos privilégios do beijo do sol. Do abraço do vento quente de verão. Sonhavam, um dia, poder desfrutar seus beijos. Cada Eu existindo de maneira única. Cada Eu realizando seus desejos. Cada Eu realizando seus ambiciosos sonhos humanos. Dia após dia. Era assim que viviam nesse barco da imensidão azul. Individualidades convivendo. No ciclo natural. Do nascer ao pôr do sol. Do dia a escuridão. Cada Eu vivia sua travessia nessas águas. Apesar de vidas únicas, compartilhavam um todo. Compartilhavam um barco. Barco o qual navegava nas mesmas águas. Viviam no mesmo mundo. De pouco a pouco, o Sol ficava mais tímido. Nuvens brancas barravam seus beijos de verão. O brilho do seus raios deixavam espaço para uma nova composição de cores. Uma nova composição de sentimentos. De pouco a pouco, gotas caíam. Esparramavam-se na grande imensidão. Imensidão que ganhava novas cores. Alguns se preocupavam com as gotas. Outros não davam a mínima. Alguns tinham suas atividades diárias prejudicadas pela nova composição. Outros conseguiam continuar sua rotina. De pouco a pouco, as gotas ficavam menos tímidas. Cada vez mais elas queriam o abraço dos mares. Alguns não queriam ficar molhados. Outros não ligavam. Alguns não podiam ficar molhados e preveniam-se. Outros não se importavam. Cada Eu vivia de sua maneira. Cada Eu seguia sua rotina individual. A escuridão dos céus ia tomando conta da composição da paisagem. O mar acolhia as gotas. Os ventos dançavam transformando a paisagem. Da calmaria das ondas a intensidade de seus movimentos. Barco antes estável, acompanhava os novos movimentos. Balanços intensos. Desestabilizavam a todos em seu interior. Um espetáculo de cores e movimentos. Raios roxos buscavam penetrar na água salgada. Gritos pela vida ecoavam na imensidão. O caos exterior era refletido no interior. Todos buscavam estabilidade. Todos buscavam sobreviver. Cada Eu estampado com pavor em seu rosto. Movimentos bruscos. Alguns eram abraçados pela infinitude marítima. Abraços longos e infinitos. Sumiam na intensidade das ondas. Gritos ecoavam. Raios penetravam. Cada Eu clamava pela vida. Cada Eu preocupava-se consigo. Cada Eu corria pelo interior do barco a procura de meios para viver. Correria. Caos. Empurra-empurra. Brigas. Tomados pela preocupação com a sua vida, nenhum Eu governava a embarcação. Nenhum Eu manuseava o timão. Nenhum Eu mudava o rumo. Nenhum Eu cuidava do bem estar do barco. Intenso vento. Ondas dançavam com a sintonia dos ares. Dança a qual cada vez mais ganhava mais intensidade. Tamanho. Dança que intimidava. Dança que impactava. Dança que abalou. Abalou o barco. Cada Eu foi abraçado pelas águas salgadas. Nenhum Eu havia restado no barco. Todos haviam sido atingidos pelo movimento das ondas. Alguns Eu sumiam na imensidão. Outros tentavam seguir a dança das águas para sobreviver. Todos os Eu compartilhavam a mesma paisagem. Observavam o barco de longe na sintonia da natureza. No vai e vem das forças marítimas. Todos observavam a unidade da qual faziam parte. Todos observavam que faziam parte de um Todo. Todo. Unidade. Algo que eles nunca haviam sido antes. Cada Eu jogado na imensidão azul. Cada Eu pequenino. Não estavam mais no barco. Não estavam mais juntos. Estava cada um por si contra as forças naturais. De longe viam o barco. Antigo lar. Antigo abrigo. Antiga coletividade nunca enxergada. Na dança dos ventos. No caos exterior, enxergavam a travessia. Enxergavam a mudança. Não era cada Eu, mas sim um Nós. “É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Foto de capa: Maciek Blaźniak
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