top of page

TURQUESA, BRANCO E AMARELO



Um dia desses, andando pela casa, eu a vi. E comecei a pensar sobre ela e nossa história juntas na chácara da Alameda Turquesa. Confesso que não gostei dela em alguns momentos, mas olhando para trás e vendo tudo que vivemos juntas, eu reconheço que gosto dela e vou sentir sua falta.


Quando eu nasci, ela já estava em minha vida. Quando eu caí de bicicleta e passei Gelol no machucado, ela ouviu meus gritos. Nas mais de cem vezes que eu cantei e dancei durante todo o filme Mamma Mia, ela estava lá. Quando eu fiz meu primeiro brigadeiro, quando eu coloquei uma caixa de leite no micro-ondas e pegou fogo, ou quando eu decidi parar de comer com colheres coloridas, ela presenciou tudo.


A nossa velha geladeira branca viveu muito. Eventos em família, discussões e palhaçadas, inícios e términos de namoro, viu chegar dois cachorros, dois gatos e um porco, nos viu de luto, nos viu celebrar e, por fim, nos viu mudar de casa.


A chácara da Alameda Turquesa, de número 1311, era linda. Tinha um pomar muito variado, com um pé de amora, outro de pitanga, um de acerola, um limoeiro e até Pau-brasil. Também tinha um campo de grama, que logo virou de futebol, com golzinhos, sem marcações. E também um pequeno e improvisado espaço com uma cesta, que chamávamos de quadra de basquete. A casa era laranja e tinha madeira em todo canto. A cozinha era pequena, mas charmosa, com um chão de cimento queimado e azulejos coloridos que combinavam. A única coisa que destoava era ela, a pequena geladeira branca.


Exercendo sua rudimentar função de gelar e acabando com o estilo da nossa cozinha, a velha Electrolux acompanhou cada fase da minha vida até agora. Conservando desde bolos de aniversário, restos de churrasco, tentativas de sushi homemade e até cola quente, a nossa geladeira presenciou muitos eventos marcantes (e não marcantes também). Eu pensei como seria se ela tivesse uma câmera: ver todos os momentos da minha infância e pré-adolescência que aconteceram na cozinha seria emocionante, como aquela cena da passagem do tempo de Up Altas Aventuras, mas com um toque de gastronomia, como em Ratatouille. Daria um filme com muitos dramas, alívios cômicos e altos e baixos.


Com ou sem filme, após quase duas décadas de vida na chácara, nós e nossa geladeira branca nos mudamos. E, junto com essa mudança, vieram muitas outras. Um mudou de continente, outra de cidade, outra voltou para casa, ainda assim, lá estava ela, mais amarelada do que branca e agora em uma nova cozinha. Como o nosso cachorro, agora com catorze anos, ela também envelheceu, agora, porém, a nossa velha geladeira branca não funciona mais.


Naquele dia, eu a vi na cozinha, num canto, só esperando a hora que íamos tirá-la dali. Estava ouvindo, vendo e presenciando tudo, mas havia deixado seus anos de atividade para trás, junto à vida na chácara da Alameda Turquesa.


Revisão: Julia Rodrigues

Imagem de capa: Reprodução pngtree.com


bottom of page