Era como se o sol hesitasse um pouco antes de nascer todas as manhãs. 6:00, 6:15, 6:30… mas mesmo atrasado, ele sempre vinha. A luz atravessava o vidro da minha janela sem pressa, como se até mesmo ela quisesse aproveitar a escuridão que ainda restava no quarto para tirar mais um cochilo. O calor, então, avançava timidamente pelo cômodo enquanto eu ficava assim, parada, apenas observando a cena como se eu própria não fizesse parte da composição total da obra.
Esses eram os momentos em que eu me sentia mais viva, como se o sol iluminasse as possibilidades embrulhadas pelo tempo, como se o tocar do despertador fosse o único responsável por dar início à minha própria história. Entretanto, na maioria dos dias, esse sentimento só durava o breve instante entre o acordar e o levantar, e era só depois disso que o dia realmente começava. Meus lábios ainda adormecidos encontravam então o gosto amargo do café e meus ouvidos preguiçosos escutavam as primeiras notícias do dia, mesmo que a minha cabeça, ainda cansada de tanto sonhar durante a madrugada, nunca estivesse em condições de assimilar os acontecimentos.
Saía de casa em busca do mesmo caminho desconhecido que atravessava todas as manhãs. Andava tanto pelas mesmas ruas que, às vezes, entre um passo e outro, até esquecia que havia outras ruas no mundo. Quanto mais pensava a respeito do trajeto, mais me recordava de quando era criança e andava por essas mesmas calçadas, entretanto, sabia que, naquela época, aquele caminho era muito diferente do que esse que agora percorria diariamente de forma tediosa. Não digo isso partindo dos aspectos físicos, sabia no fundo que as pedras embaixo dos meus sapatos, apesar de mais gastas, continuavam as mesmas de anos antes, e que a árvore escondida entre os dois prédios cinzentos, mesmo que não desse mais frutos, continuava a mesma. A mudança que percebia de maneira tão acentuada era imperceptível para qualquer outros pares de olhos que não os meus.
Lembrava vividamente das calçadas serem repletas de flores, lembrava do aroma e da textura de suas pétalas, apesar de saber de maneira racional que essas ruas sempre foram de pedra. Me recordava da árvore sendo encantada, e era por isso que os prédios, antigamente não tão cinzas como hoje, sempre faziam questão de escondê-la entre os blocos de concreto. Olhando pra trás tenho consciência de que tudo isso não passava de histórias inocentes criadas pela minha imaginação, contudo, não importa o quanto tentasse, nunca mais consegui voltar para esse cenário, nunca mais consegui deixar de ver a árvore como apenas uma árvore e nunca mais vi as flores que me acompanhavam quando criança.
Acho que uma parte de mim não queria admitir que a minha mente havia simplesmente perdido a capacidade de imaginar, afinal é a imaginação que nos infere a habilidade de criar novas possibilidades. Se eu não tinha mais imaginação, então não tinha como explorar essas novas perspectivas, o que me obrigava a ficar presa na realidade, e a verdade é que ela era assustadora. Na realidade, tudo é finito e limitado apenas às suas definições, nada além disso, o que faz com que todos fiquem restritos a um mesmo pensamento repetitivo. O que isso significava na prática era que, se a minha imaginação tivesse de fato desaparecido, havia, então, perdido a única coisa que me fazia única.
Tentava enxergar o lado positivo de tudo isso, o que me levava a acreditar que, se eu deixasse de pensar sobre tudo de maneira tão imaginativa e abstrata, talvez pudesse finalmente compreender e ser compreendida, talvez pudesse finalmente enxergar as verdadeiras pedras que bloqueavam o meu caminho ao invés de me distrair com as flores. Ao mesmo tempo em que esse pensamento me tranquilizava, me encontrava cada vez mais atordoada com a ideia, pois sabia que a perda da imaginação vinha sempre acompanhada com a perda da esperança, já que perdemos então a capacidade de imaginar algo pelo qual valha a pena esperar. Isso me assustava, pois era assim que tinha vivido a minha vida até agora: esperando. Esperava o nascer do sol sempre que via ele se pondo, esperava os raios entrarem pela janela todas as manhãs para só então levantar da cama, esperava o café ficar pronto para poder levar o copo comigo enquanto esperava o inesperado.
Era mais ou menos nesse ponto da reflexão que eu chegava até o meu destino, e minha mente era tomada por outros pensamentos que, na maior parte do tempo, não me exigiam nenhuma imaginação. No caminho de volta para casa, até pensava em retomar a minha análise, mas confesso que sempre me encontrava cansada demais para pensar em qualquer coisa que não fosse real. Me restava esperar até a manhã seguinte, porém, como o tempo que levava para completar o trajeto era sempre o mesmo, nunca conseguia avançar nas minhas reflexões. Até hoje nunca consegui concluir se havia de fato perdido ou não a minha capacidade de imaginar e também não sabia se viver esperando era algo bom ou ruim, mas o fato é que ainda espero encontrar a resposta.
Autoria: Victorya Pimentel
Revisão: Beatriz Nassar e André Rhinow
Imagem de capa: istockphoto
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