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VICE (2018)



O filme Vice (2018), escrito e dirigido por Adam McKay, retrata a trajetória de Dick Cheney com enfoque na eleição estadunidense do ano 2000 e os subsequentes oito anos de presidência de George W. Bush, a partir de uma perspectiva incomum, a de seu vice-presidente. Assim, a obra desafia a visão clássica que muitos ainda possuem do todo poderoso George Bush, líder e mentor de uma agressiva política externa contra o terrorismo. O filme é uma sátira, ao mesmo tempo dramática e engraçada, que coloca em xeque o senso comum sobre este período. De modo provocativo e inovador, dá centralidade a uma figura que passaria despercebida aos olhos de muitos, mas que, conforme a denúncia da obra, foi central para a eleição de Bush e, mais notavelmente, para moldar sua presidência, sobretudo quanto à política externa.


McKay é eficiente em construir um perfil psicológico do personagem principal, a partir do qual o público é capaz de entender sua personalidade, motivações e, até certo ponto, simpatizar com uma figura retratada claramente como cínica, manipuladora, cruel e inescrupulosa. No maior estilo House of Cards, a fim de tornar-se um vice-presidente incomum, Dick Cheney se aproveita do inexperiente e ingênuo Bush, um homem desesperado para se provar ao pai. Isso porque Cheney foi um vice ativo, até demais; moldava as decisões de Bush com a mesma facilidade com que uma mãe consegue moldar a cabeça de um filho. Nesse sentido, o filme teoriza que teria partido do próprio Cheney a ideia de invadir o Iraque e depor Saddam Hussein, devido às armas de destruição em massa que os Estados Unidos afirmavam que o ditador possuía, mesmo que elas jamais tenham sido encontradas, pois tais armas nunca existiram de fato.


Aliás, foi em 2022 que o verdadeiro George Bush, e não o personagem do filme em questão, cometeu um de seus maiores – senão o maior – atos falhos da vida, ao discursar sobre Putin, dizendo: “O resultado é a decisão de um só homem de lançar uma invasão completamente brutal e injustificada do Iraque…”. Ele parou e piscou por um segundo, percebendo o erro e o corrigindo: “Quero dizer, da Ucrânia! Bem… Do Iraque também! De qualquer forma, …”. Ao perceber a reação da platéia, um misto de choque e de risos, provavelmente nervosos, ele se justificou relembrando sua idade: setenta e cinco anos. No entanto, o fato é que em torno de 655 mil iraquianos morreram devido a essa invasão, que custou aos Estados Unidos mais de dois trilhões de dólares e milhares de vidas. Ainda, essa invasão e a “Guerra ao Terror” de George Bush e Dick Cheney custaram aos EUA e ao mundo a reeleição de ambos.


Vice presta o importante serviço social de recolocar este tema tão importante de volta ao centro do debate público ao criticar ferrenhamente as ações do governo americano nesse período. O filme quebra a quarta parede mais de uma vez, primeiramente com Cheney tentando justificar o porquê de ter feito o que fez, dando a entender que de fato acreditava no que implementou e não que isso teria sido um mero produto de sua sociopatia, (essa sendo também uma interpretação possível da obra). Além disso, logo antes de rolarem os créditos, Vice quebra a quarta parede uma última vez, com um dos personagens perguntando aos outros: “Mais alguém percebeu que este filme é de esquerda?”.


A obra prima de McKay foi merecidamente indicada ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao BAFTA, recebendo alguns desses prêmios. Sua genialidade pode ser percebida em diversos momentos, incluindo neste último, em que o diretor tem a humildade de reconhecer com todas as letras que o que fez é uma obra de ficção. Ainda que baseada na realidade, nenhum dos diálogos de Vice aconteceu de fato (ou, pelo menos, não da forma retratada no filme). Sendo assim, embora traga provocações interessantes e uma opinião clara a respeito dos fatos narrados, como qualquer filme, esta é apenas uma obra de arte do cinema, e não a verdade dos fatos.


Nesse caso, a verdade só poderá ser descoberta daqui a décadas ou séculos, e o mundo certamente jamais saberá tudo que aconteceu envolvendo as guerras da Casa Branca de Bush e Cheney: Elas foram justificadas? Elas estavam corretas? Dessa forma, cabe ao telespectador refletir sobre o tema a partir do filme; não se limitando a ele, mas, sim, pesquisando, lendo e se informando por meio de tantas fontes confiáveis quanto forem possíveis. Adianto que, apesar de brilhante, este filme não é uma delas. Afinal, você, leitor, não quer criar uma opinião completamente brutal e injustificada a respeito de Bush e Cheney a partir de um só filme.


Autoria: Linneo Christe Adorno Scanavacca

Revisão: André Rhinow e Lucas Tacara

Imagem de capa: The New York Times


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