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VIVENDO NO CAOS: TROTSKYS, MOIRAS E OUTRAS ESCOLHAS



É curioso como, volta e meia, caímos em espirais de assuntos aleatórios na internet, especialmente quando temos alguma responsabilidade para atender ou problema premente a resolver. Bom, pelo menos eu caio e, como sou o redator desse texto, vou julgar o resto da sociedade pelas minhas lentes e ninguém vai poder reclamar. Enfim, nesses tempos tenho me embrenhado por vídeos de história alternativa no Youtube, que consistem em análises do que teria mudado na história humana caso um evento, dado como crucial ou banal, tivesse ocorrido de forma diferente. É intrigante observar como todo o mundo teria sido transformado radicalmente caso houvesse sido Trotsky a comandar a União Soviética, ao invés de Stalin, ou se o Havaí nunca tivesse sido anexado pelos Estados Unidos.


No entanto, além de suscitar pensamentos acerca de Trotskys e Havaís alternativos, esse tipo de conteúdo me tem feito pensar bastante sobre o que foi e o que poderia ter sido não na vasta história da humanidade, mas na minha breve existência nesse mundo. Novamente usando meu poder de escritor destas linhas, generalizo em dizer que todos já também tiveram esses pensamentos: e se eu tivesse estudado para aquela prova? E se eu tivesse dormido cedo aquela noite? Remoemos e revivemos memórias das mais variadas em nossa mente, imaginando como teria sido se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão, que eventualmente aprendemos que não eram tão pequenas assim, divergentes das que de fato escolhemos. Normalmente, os resultados dessas reflexões seguem a lógica de que a grama é sempre mais verde do outro lado, e imaginamos, nessa história alternativa pessoal, o desaparecimento de todos os nossos problemas. Dessa forma, nos tornamos nossos próprios algozes, e açoitamos nossas mentes repetidamente com cenários perfeitos arruinados pelo capricho das escolhas passadas.


Mas sou da opinião de que, às vezes, podemos deixar de lado os chicotes mentais de autoflagelo, porque é bem provável que essas expectativas sobre nossos futuros alternativos sejam estratosféricas demais. Sem querer soar como um coach quântico com sotaque paulista insuportável, a verdade é que todo caminho que escolhemos trilhar terá obstáculos ao longo de toda sua extensão, e mesmo as estradas mais tortuosas nos ensinam e moldam, o que torna nossos arrependimentos onipresentes um tanto excessivos. Sem falar que as circunstâncias que estruturam nossas escolhas são bem fora da nossa jurisdição, frutos de uma miríade de decisões de outros indivíduos, decisões essas que podem ter sido tomadas ontem ou há séculos, mas que persistem em se intrometer no contemporâneo.


Pensar que somos condicionados por esse incontável número de fatores sempre dá um grande nó na minha cabeça, me fazendo questionar se vivemos em um universo regido pelo destino ou pelo caos. De fato, o mundo gira de maneira tão coincidente e curiosa que, por vezes, me pergunto se os gregos estavam certos em imaginarem as Moiras, irmãs que teciam o passado, presente e futuro de todos os vivos, de forma que todos temos um caminho linear com começo e fim nessa vida. Porém, mesmo que linhas firmes e bem-definidas sejam um modo confortável de pensar, acredito que a vida segue um padrão caótico, no qual pessoas são como partículas que disparam para todo lado em dado espaço limitado, colidindo umas com as outras em uma espécie de grande experimento de física.


Mesmo que minha analogia não seja tão boa quanto a das tecelãs gregas, o caos ainda persiste como um elemento ordenador que reflete melhor a estrutura da sociedade e seu comportamento; cada partícula precipita-se velozmente, por vontade ou inércia, podendo chocar-se com outra, de modo a alterar as trajetórias de ambas. Assim, o caos é gerado pela interação humana com o resto da sociedade e ambiente, mas, ao mesmo tempo que é criado por nós, insiste em fugir do nosso controle. Imagino que essa visão de mundo possa implicar que indivíduos não têm agência alguma sobre as suas vidas, mas isso não é totalmente verdade. De fato, não podemos manipular muitos dos grandes eventos que afetam nossas vidas – como, por exemplo, uma pandemia –, mas podemos decidir para que lado nos precipitaremos após a colisão, o que escapa das leis da Física. Novamente, vou abusar do meu poder de redator e relevar esse pequeno fato.


Assim nós levamos essa bagunça organizada que chamamos de vida, ou somos levados por ela, no caso. Assim como fui levado, pela espiral de assuntos aleatórios na internet, a vídeos estilizados sobre história alternativa que, por sua vez, me trouxeram até essa reflexão acerca daquilo que foi, poderia ter sido, e será. Não sei se posso dizer que você, que leu esse texto, saiu com sua consciência expandida ou algum novo pensamento na cabeça. Eu, ao menos, posso dizer que sei o que aconteceria se o Trotsky tivesse sido o líder da União Soviética.


Autoria: Pedro Augusto Castellani Rolim

Revisão: André Rhinow e João Vítor Vedrano

Imagem de Capa: Zhong Biao (artista)


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